Sunday, June 05, 2016

A SORTE NÃO PASSA POR AQUI

"As famílias com mais dinheiro hoje são as mesmas que existiam na Idade Média. Mas a culpa pela manutenção das mesmas elites no topo da cadeia social (ao longo dos séculos) não é do capitalismo". A conclusão, de dois economistas do Banco de Itália, vem resumida neste artigo publicado no DN e contraria pelo menos dois aforismos: i) a sorte dá muito trabalho ii) pai rico, filho pobre, neto pobre. 

Acontece o mesmo com as nações? Tendencialmente, sim.
Considerando os resultados apresentados por Angus Madisson - The World Economy - 1 - A Millennial Perspective - 2 - Historical Statistics - aos seis países que, há cinco séculos, eram potências coloniais, e, por essa razão, dos mais ricos (ou mais afortunados - na Roma Antiga a deusa Fortuna era a deusa da sorte, boa ou má, da esperança na prosperidade sujeita ao capricho dos deuses) se avaliada a riqueza, em termos rendimento, em PIB per capita, sorriu a sorte (ou fortuna) de modo diverso mas a tendência sustentou-se.

Na época em que Vasco da Gama  chegava à Índia e Pedro Álvares Cabral ao Brasil, o PIB per capita seria, medido em dólares internacionais de 1990 , 632 em Portugal, 698 em Espanha, 727 em França, 754 na Holanda, 762 na Grã Bretanha, 1100 em Ítália.
Do lado dos territórios ou países colonizados, a China teria um PIB per capita de 600, a Índia, 550, a Indonésia 565, o Brasil 425, o México, 400, os Estados Unidos 400, a Irlanda 526.

Quinhentos anos depois, no ranking do Human Development Index (HDI) 2015 das Nações Unidas, que integra indicadores de níveis de educação e de saúde além do indicador de PIB per capita em termos de paridade de poder de compra a preços em dólares de 2011, e abrange todos os estados membros da ONU, Portugal situa-se na 43ª. posição em termos de HDI e na 41ª. em termos de PIB per capita, correspondendo ao último lugar do conjunto de potências coloniais no começo do séc. XVI.

Em 2000, Portugal ocupava a 28ª. posição em HDI e a 30ª. em PIB per capita.
Significa esta queda no ranking que, em cerca de 15 anos, Portugal foi ultrapassado por 15 países em termos de HDI (em consequência de piores resultados na educação) e por 11 países em termos de PIB per capita.

Tivemos pouca sorte ou trabalhámos pouco (ou mal)  nos últimos 15 anos?
Geralmente os afortunados atribuem a fortuna ao trabalho, e os desafortunados à falta de sorte a falta de fortuna. 

4 comments:

Luciano Machado said...

Rui, embora tenha algumas dúvidas sobre o rigor dos números que citas, as conclusões não deverão estar muito distantes da realidade.
Portugal terá tido sempre pouca sorte porque nem nos tempos áureos esteve no pelotão da frente. Quanto aos últimos 15 anos, porquê 15? Poderíamos falar em 600 ou 700. Parece que fomos sempre assim.
Abraço
L

Rui Fonseca said...


Caríssimo Luciano,

Obrigado pelo teu comentário.

Quanto ao rigor dos números: Os cálculos de Angus Maddisson foram realizados segundo critérios que mereceram a aceitação das instituições internacionais e são referidos frequentemente em trabalhos académicos. A quinhentos anos de distância, o rigor tem um sentido próprio que, obviamente, difere, daquele que é suposto existir nos métodos quantitativos utilizados hoje.
O trabalho citado é uma edição da OCDE.

Quanto aos números do PNUD também não me parece que possa colocar-se em dúvida este trabalho, que vem sendo anualmente realizado há cerca de duas décadas pelas Nações Unidas.

Quanto aos 15 anos, a razão é simples: Angus Maddisson chegou na sua abordagem até 1998.
Podes consultar a evolução. Não a transcrevi, ainda que resumidamente, porque tornaria demasiado extenso e ainda mais fastidioso o meu apontamento, mas existe pelo menos um quadro que abrange o período entre 1820 e 1998.
Por outro lado, em 2000 Portugal encontrava-se sensivelmente a meio da tabela dos países considerados de "muito elevado desenvolvimento humano". Em 2014 Portugal caiu para um lugar que o aproxima da descida de divisão.

Quanto à pouca sorte "que temos tido", é essa a interrogação que coloco no meu apontamento.
Temos tido pouca sorte porquê?
Porque os deuses não gostam de nós?
Por que será?

Luciano Machado said...

Uma declaração de princípios: Eu não sou Determinista!
AS análises estatísticas também podem mostrar a aversão ao risco que sempre foi nosso apanágio. Talvez esta aversão ao risco não tenha permitido a existência de uma classe burguesa que foi o sustentáculo do desenvolvimento dos países industrializados.
Por outro lado o fraco desenvolvimento científico, que se agravou com a expulsão dos Jesuítas (que detinham a quase exclusividade do conhecimento) foi sem dúvida outro dos factores negativos.
Mais haverá certamente.
Falei nos 15 anos porque o nosso amigo EC costuma, nas suas divagações, encontrar todos os males na governação post 95 quando me parece evidente que o mal ou a "pouca sorte" têm sido crónicos e já vêm de muito longe.
Abraço
L

Rui Fonseca said...


Luciano,

Um povo que embarcou para o desconhecido e iniciou a globalização tem aversão ao risco?

Suponho que onde escreves jesuítas quererás dizer judeus, não?