Monday, July 06, 2015

PERDIDOS POR DEZ, PERDIDOS POR MIL

"Em três ou quatro apressados dias, transferiu para o povo a responsabilidade da decisão. Mas não contou aos gregos como lhes vai pagar os ordenados, aprovisionar as farmácias e as mercearias." - cf.  aqui.

A previsão de que a Grécia vai atravessar dias de grande calamidade, a juntar aqueles que já experimentou, tem alta probabilidade de acontecer. 

Tsipras chegou ao poder prometendo muito que não poderia vir a cumprir. Nisso não se distingue da generalidade dos políticos, exemplos desses abundam também por cá, e por toda a parte . E, é sabido, as promessas são tanto mais atraentes quanto mais os crentes estão aflitos. Ora os gregos tinham sido apanhados na ratoeira de uma dívida externa que os esmagava e continua a esmagar, uma situação que o último relatório do FMI atesta.

A história já foi contada vezes incontáveis: os bancos, ou investidores através deles, emprestaram aos bancos fundos em volumes completamente desproporcionados com as capacidades de pagamento da economia grega. São os gregos vítimas inocentes desta armadilha sinistra? Não todos: há muitos coniventes, activos ou passivos, geralmente gente bem instalada na vida.

Apesar da ténue recuperação da economia observada em 2014, os gregos rejeitaram nas eleições de alguns meses atrás a continuidade da liderança política daqueles que os tinham metido num beco sem saída. E, em desespero de causa, atiraram-se para os braços do vendedor de promessas. Acontece fequentemente, é assim que as democracias sossobram e os demagogos são idolatrados.

Tendo Tsipras prometido o que não pôde conseguir nas negociações em Bruxelas e etc., não tinha mais alternativas senão voltar a Atenas e perguntar ao povo que o tinha elegido o que queria o povo, ou demitir-se. Escolheu a primeira e o povo disse que não, que não aceita as condições impostas pelas instituições europeias e pelo FMI.

Votaram os gregos na ignorância do que vai acontecer a partir de hoje? De modo algum. Se há conhecimento adquirido pelos gregos, por todos, ao longo destes últimos anos, o mais intenso será certamente o das consequências da ruptura social, económica e financeira. Eles votaram à vista de filas de gente em frente às máquinas ATM e os bancos encerrados há dias.

E, agora?
Agora não sei, quem sabe?, o que irá acontecer.
Mas suponho que a União Europeia irá mudar radicalmente a partir de hoje.
Repito-me: A União Europeia é insustentável sem uma moeda comum. E uma moeda comum é insustentável sem uma federação política dos seus membros. Soberania e democracia (numa zona económica e monetária) são destrutivamente conflituantes se não se reunirem no mesmo espaço político.

Se a Europa apreender e aproveitar de vez o resultado de ontem em Atenas, o contributo de Tsipras não deve ser vilipendiado.

Varoufakis demitiu-se, ou foi aconselhado a isso, para faclitar o diálogo em mais uma maratona de negociações. É esse o geral entendimento de analistas dos mais insuspeitos quadrantes de serem alinhados com a esquerda: Financial Times, Economist, entre outros.
Parece-me pouco pertinente ( ) considerá-lo cobarde e incompetente.

( ) Colocar Tsipras e Varoufakis como principais responsáveis da tragédia grega, quando é claríssimo que a tragédia já tinha atingido o clímax quando eles entraram em cena por repúdio da plateia dos actores que lá tinham estado antes,  é muito excessivo. Os grandes responsáveis pelas diversas tragédias que se desenrolam de tempos a tempos em vários pontos deste mundo são os banqueiros.

Sim, os banqueiros.
Foram eles que, movidos pela ganância, emprestaram muito para além das possibilidades de reembolso aos credores.
E os gregos?

Os gregos são inacreditáveis?
Os gregos são impostores?
Os gregos são intratáveis?
Os gregos são chantagistas?
Os gregos são tudo isso e muito pior?

Admitamos que sim.
Então por que lhe emprestaram os banqueiros tanto dinheiro conhecendo-lhes a falta de carácter?

Sabe-se bem porquê:
Se uma empresa vende mercadoria a um cliente sem analisar o risco que corre, isto é, a capacidade do devedor pagar o que deve, o que acontece se o cliente não paga? O fornecedor incauto tem de registar na sua contabilidade um "incobrável", uma perda, portanto.

O que é aconteceu aos bancos que emprestaram aos gregos (e aos portugueses ... e a tantos outros, agora e no passado), as dívidas a esses bancos foram assumidas pelo FMI e pelo BCE na sua quase totalidade, isto é, foram colocados às costas dos contribuintes.

Não é isto verdade?

( ) Acusar Tsipras de companhia de terem prometido o impossível para se alcandorarem ao poder, é pertinente.
E os nossos governantes, o que fizeram para alcançar o poder?
Falaram verdade?
As desonestidades de uns não justificam as de outros mas é sempre mais higiénico não acusarmos alguém de pouca limpeza com os nossos dedos sujos.

(colocado aqui)

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