Saturday, March 29, 2014

SÃO OS JUROS, ESTÚPIDOS!

Ontem, a queda dos juros da dívida pública a 10 anos, situando-se pela primeira vez abaixo de 4% desde 2010 foi motivo de generalizado regozijo do lado do governo e algum mal disfarçado desconforto do lado da oposição. Se as situações partidárias fossem inversas o mais provável é que se invertessem também os sentimentos. Obviamente, da regra excluem-se os partidos que não são candidatos a governar.

Em todo o caso, e isto tem sido referido pelas oposições, registe-se que a evolução em baixa das taxas de juro da dívida pública tem muito mais a ver com as intenções anunciadas por Draghi - vd. aqui - em Julho de 2012, e pelo esboço, conhecido recentemente, de uma união bancária, do que pela redução objectiva do risco do país: depois de três anos de intervenção da troica, o sistema bancário permance imponderável e a dívida não tem parado de crescer, sobretudo pela inclusão da que permanecia escondida por desorçamentação ou pelas regras esconsas da Comissão Europeia que consentiram, e até incentivaram o descalabro em Portugal, e não só.

A redução da despesa pública, eleita como objectivo primordial do programa de ajustamento, praticamente resumiu-se durante o directório da troica à redução de salários na função pública e aos cortes de pensões, que atingem níveis confiscatórios, e atingem até os planos privados de pensões, comprometendo irremediavelmente um sistema suportado tripartidamente, repetidamente defendido pelos partidos que costumam governar. Reforma do Estado, propriamente dita, que se visse, não houve. Repetem ad nauseam os dedicados defensores deste governo que "representando as despesas com pessoal e pensões cerca de 96% da despesa pública, a redução desta passa, inevitavelmente, pela redução daqueles". É mentira!

Uma parte muito significativa da despesa pública são juros. Juros que subiram desabrida e inopinadamente e deixaram este e outros países fora de pé depois de anos e anos de laxismo público, ganância bancária e conivência partidária. Por que aconteceu isto, assim tão abruptamente como um tsunami? Mas, perguntam em resposta os defensores os guardiões do templo, se não pagássemos os juros quem os deveria pagar? Os contribuintes alemães, holandeses, austríacos, etc. Não!, e eles sabem que não!

Os portugueses, não todos os portugeses mas a esmagadora maioria dos portugueses, foram vítimas dos seus próprios erros mas também dos propósitos, de quem podia ter evitado a calamidade mas insistiu na receita com o objectivo primeiro de salvar o sistema bancário e, primordialmente, os seus (deles, alemães, franceses, holandeses, etc.) bancos. Resultado: aquilo que poderia ter sido minorado até com um tímido anúncio - o anúncio tardio de Draghi em Julho de 2012 -, o crescimento imparável da dívida e a adopção de medidas draconianas de austeridade, acabou por ser um dos principais fautores do empobrecimento, material e humano, dos países atingidos.

É a tendência da baixa dos juros motivo de regozijo? Magro regozijo, porque os juros continuam insuportáveis se rejeitarmos a ideia de promessa de uma crise para os próximos vinte anos. Os juros não baixam porque baixou o risco do país mas porque se elevou a confiança dos credores na intervenção, não claramente declarada, da eventual intervenção do BCE. Apesar de todas as evidências, prossegue a injecção lenta de medidas absurdas até ao osso, porque permanece dúbia a capacidade do BCE para garantir a sobrevivência da configuração actual da União Europeia. Medidas absurdas, porque apesar das melhoras aparentes, nem a dívida pública é dominável nem o sistema bancário está firme. Nem cá nem lá.
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Em Outubro de 2012 anotei aqui um apontamento com o mesmo título, e voltei aqui ao assunto e ao título seis meses depois, em Março do ano passado.

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