Wednesday, February 26, 2014

O PREÇO DA ALFACE

"É mentira, senhor, é mentira, os hipermercados não vendem abaixo do preço de custo, quem vende abaixo do custo somos nós, os produtores, toda a gente sabe que é assim. Os hipermercados fazem o que querem e quem paga são os fonecedores. Veja bem: vendo a alface a trinta cêntimos. Facturo e recebo conforme  o contrato. Vendi por trinta cêntimos a alface? Não sei. E não sei porque se no fim do ano o gestor da loja não atingiu os objectivos manda-me uma nota de débito para que comparticipe na realização dos resultados que ele quer. Quando o Pingo Doce vendeu no 1º. de Maio com descontos de 50% de desconto, quem é que pagou esses descontos? Os fornecedores, que não foram ouvidos nem achados antes. Estes são exemplos, entre muitos, das práticas que os hipermercados usam para conseguirem os preços que querem e obterem os lucros que pretendem. O risco corre todo do lado dos fornecedores. Se não aceito aquilo que me impõem sou riscado da lista. Os contratos deveriam ser obrigatoriamente registados no notário para evitar estes abusos de poder das grandes superfícies."

No mesmo dia (ontem) em que entrou em vigor a nova lei de comércio (ASAE - vd. aqui - já tem em mãos 50 processos de más práticas) a Jerónimo Martins - vd. aqui - "obteve resultados líquidos de 382,3 milhões no exercício passado. EBITDA melhorou 5,1% e vendas progrediram 10,7%." Os analistas - vd. aqui - previam resultados superiores, que terão sido frustados pelo desempenho da Biedronka (a JM na Polónia), e as cotações do grupo estão hoje a cair 7% na bolsa de Lisboa. Num dia, note-se, de queda generalizada.

Resolve-se o problema (complicado) com multas desincentivadoras do poder de dimensão dos grandes grupos de distribuição e a intervenção da ASAE? É duvidoso. A intervenção notarial, policial ou judicial nas relações comerciais raramente dá bons resultados. A um poder forte de um lado só um poder organizado do outro pode opor-se com sucesso. Enquanto as associações de produtores não forem capazes de estipular e garantir uma disciplina nas práticas de contratação dos seus associados nenhuma intervenção da ASAE será suficientemente eficaz, sobretudo porque há um terceiro parceiro no jogo que a ASAE não fiscaliza: os fornecedores estrangeiros que praticam dumping ocasional em mercados secundários, cobrindo apenas os custos variáveis, como forma de diluir os seus custos fixos.

As associações de produtores têm um problema de organização interna que só eles podem, eficazmente, resolver. Incluindo a sensibilização da opinião pública para as vantagens da economia de proximidade, do consumo das produções nacionais. Sem uma conscencialização dessas vantagens recíprocas, para fornecedores e consumidores, o dumping exterior continuará a ser a arma com que os grandes grupos de distribuição dividem, para reinar, os fornecedores nacionais.  

2 comments:

Unknown said...

Introduzindo um pouco de lembrança da nossa caminhada depois do 74 vamos ver como todas as UCP e Cooperativas de produção se apagaram apesar dos amanhas que cantavam. A tristeza ou vacina foi de tal efeito duradouro que de todos os países da UE somos o que tem umapresença mais debil das cooperativas. Todos nós conhecemos casos em que os revolucionarios se locupletaram comos bens a seu cargo..para compensarama a exploração de que foram vitimas em ciança.

Rui Fonseca said...

Obrigado, A. Cristovão, pelo seu comentário, com o qual concordo.

Porque não sugiro a cooperativização da produção mas porque não vejo outro meio de defesa dos produtores de artigos indiferenciados, sem marca suportada por publicidade, relativamente às grandes superfícies,senão a auto defesa através das associações respectivas.