Tuesday, January 07, 2014

NÃO SERVE DE FACTURA*

A mim repugna-me a ideia mas não me custa acreditar que possa vir a ter alguma eficiência. A comparação que cita do artigo na HBR refere-se, deduzi, da entrega correcta do IRS. Tanto quanto me é dado aperceber pelas respostas que me deram pessoas nossas conhecidas a quem perguntei se conheciam o processo, ou não estará ainda em vigor (mas o artigo é de 2010) ou, estando, não estará generalizado. O que posso confirmar é que, ainda segundo as mesmas fontes, a não declaração correcta do IRS é susceptível de sanções altamente desanimadoras da fraude.

O sorteio que refere, e de que também já tinha ouvido falar, dirige-se à promoção da exigência de facturas ... depois de ter sido decretada a exigência de facturas, uma exigência que não entendi porque, ingenuamente talvez, porque supunha que a exigência de facturas sempre tinha existido. Parece que resultou bastante, segundo notícias divulgadas pelo secretário de Estado das Finanças, mas, pelos vistos, não de forma suficiente. A lotaria aparece agora como um incentivo adicional. Resultará? Talvez.

No entanto, afigura-se-me que há outras vias que poderiam ser trancadas e que, para mim, inexplicavelmente continuam abertas à fuga fiscal. Uma delas é a da apresentação pela generalidade dos restaurantes de um documento que "não serve de factura". Não conheço outro país que siga este procedimento. Após o pagamento, segue-se geralmente a pergunta "quer factura?" e, se a resposta do cliente é afirmativa, há sempre um, às vezes interminável,  tempo de espera pela factura. Por que não decreta o governo a obrigatoriedade de emissão de um, e só um, documento factura/recibo, como se vê por todo o lado civilizado?

Como nem só em restaurantes se observa a fuga ao imposto, e as possibilidades de evasão são menos públicas, afigura-se-me que deveriam os funcionários das finanças, que não são tão poucos quanto isso, actuar como fiscais da entidade em que se empregam e lhes paga. Como ? Pois todos eles são, para além de funcionários das finanças, consumidores de bens e serviços. Em situações de evasão fiscal, tentada ou consumada, deveriam os funcionários das finanças informar os serviços de fiscalização tributária, que diligenciaria no sentido de vigiar apertadamente as situações denunciadas.

A evasão fiscal, como qualquer evasão ou invasão, resulta sempre de uma avaliação do evasor, que pondera os valores do risco e do sucesso. Se a sanção da evasão fiscal é relativamente baixa a motivação para a evasão é elevada. Se, por exemplo, Ricardo Salgado soubesse que estaria sujeito a uma penalização desmotivadora não teria acontecido ter corrigido duas vezes o seu IRS. Nesta, como em muitas outras circunstâncias do mesmo tipo, o exemplo deveria vir de cima e,  de lá,  vêm frequentemente exemplos incentivadores de práticas condenáveis. 

E nem só com "falta de facturas" se ludibriam os cofres do Estado, isto é, os outros contribuintes, os tansos que pagam. Também há muito ludíbrio com "facturas falsas". Um assunto que, só por si, merece outro post.  Já lá vão muitos anos, mas convém recordar que vários deputados foram surpreendidos com a utilização de facturas falsas. Era presidente da República, Jorge Sampaio. Tivesse Sampaio, nessa altura, dissolvido a AR, e teria constituido um precedente de referência moral para o futuro. Não fez nada.E a falta de exigência cívica continuou a progredir na sociedade portuguesa, participante num jogo-de-cabra-cega animado por foliões, de facto, inimputáveis.
Que pode pensar o cidadão comum de tudo isto? Evade-se, se pode. Candidata-se ao carrinho? Talvez. Depende do que paga para entrar no jogo. Cada rifa tem um preço, relativamente alto muitas vezes.
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*Comentário colocado aqui

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