Sunday, July 07, 2013

O PREÇO*

João Lourenço,

Recebi a sua mensagem de indignação pela ameaça que se atravessa no caminho da companhia que começou, já lá vão 47 anos, no Tivoli, com Knack e Amanhã Digo-te por Música. Depois o grupo alterou-se, mudou de nome, mas continuámos a assistir à quase totalidade dos espectáculos do Teatro Aberto. Contadas pelos programas que coleccionámos, já ultrapassámos largamente as seis dezenas de presenças. Digo isto apenas para lhe testemunhar a nossa admiração pelo vosso trabalho e a nossa tristeza pelas notícias que nos transmite. Já há alguns dias tínhamos lido e ouvido que o Teatro Aberto pode fechar as portas.
 
Leio a sua missiva, e pergunto-me: Que posso eu fazer por isto? Também nós queremos que as coisas mudem, para usar as palavras com que termina a sua mensagem. Mas como podemos mudar as coisas? Releio a sua missiva para descortinar nela uma ponta por onde possa pegar com uma sugestão que seja uma tentativa de um pequeno contributo. Também a mim me parece absurdo que à companhia Novo Grupo de Teatro tenha sido atribuído o 39º. lugar na lista de companhias de teatro nacionais. Mas se vamos por aí, degradar-se-ão as relações entre as companhias que concorrem aos fundos atribuídos pela Direcção-Geral das Artes e receio que o resultado final não seja gratificante para ninguém. Porque para além dos critérios, das grelhas e de todas as manobras imagináveis, há um facto que não me parece facilmente ultrapassável nas circunstâncias actuais: o tesouro está roto.
 
Assinala o João Lourenço o facto de (ter o Teatro Aberto) uma regular e elevada afluência de público. Lamentavelmente, receio que não seja verdade. A nossa presença regular e elevada, não só no Teatro Aberto mas em outros espaços onde há teatro a sério em cena, convenceu-nos que apenas uma muito reduzida minoria de portugueses vê teatro e paga o bilhete. Digo isto com grande mágoa, mas, para se ultrapassarem os problemas, ou pelo menos parte deles, teremos de partir de um reconhecimento exacto das causas que lhe estão na origem.
 
O problema maior do teatro em Portugal é a falta de público. Há muitas causas, não vou por aí porque sei infinitamente menos que aqueles que fazem do teatro uma das suas principais razões de vida. Mas sei uma coisa elementar: o público conquista-se, por vários meios, um dos quais a publicidade.
Publicidade custa dinheiro, evidentemente. Mas o Estado dispõe de dois meios que são pagos em grande medida pelos impostos dos contribuintes, entre os quis me incluo, a rádio e a televisão, agora integrados na mesma empresa, a RTP. Ora a RTP é uma empresa de serviço público e é da mais elementar decência que, para além dos vários programas de estupidificação pública, concorrentes do teatro, emita programas de promoção do teatro em geral e das exibições em cena.
 
Não estou a sugerir com isto que deixem de lutar, bem pelo contrário, pela garantia de apoios pecuniários públicos necessários ao suporte de uma actividade cultural insubstituível. O que sugiro
é que todos os que vivem do e para o teatro exijam do governo esta elementaridade: que a RTP cumpra a razão única da sua existência prestando serviço público. E ninguém minimamente civicamente formado negará que a promoção televisiva e radiofónica eficiente do teatro faz parte dos primeiros lugares da lista.
 
Já agora, uma segunda sugestão. Porque razão não utilizam como forma de promoção, praticamente gratuita e intensiva, o e-mail? Os vossos programas, postais, e outro material impresso, são obras de arte e literatura e a prova de que os apreciamos é que os coleccionamos há décadas. Mas são, necessariamente, onerosos. Não pelos cinco euros que custam a quem os compra mas pelos custos não reembolsados que envolvem para a Companhia, presumo eu.
 
E coíbo-me de continuar para não imitar o sapateiro de Apeles.
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* O Preço, de Arthur Miller. Em cena no Teatro Aberto. Recomenda-se vivamente. Destaco o excepcional desempenho de João Perry como antiquário.

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