Wednesday, May 29, 2013

CADA POVO TEM OS ADVOGADOS QUE MERECE?

O senhor Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, afirmou ontem, usando uma daquelas tiradas desenfreadas que o caracterizam,  que o povo português  é também  responsável pela corrupção  instalada no país pelo facto de eleger os políticos, querendo dizer com isto o que disse Joseph de Maistre para reacender os ânimos contra-revolucionários da nobreza decapitada pela Revolução Francesa: "Cada povo tem o governo que merece".  Maistre defendia a restauração da monarquia hereditária, para ele uma instituição de inspiração divina. Não parecendo que Marinho Pinto tenha qualquer sugestão idêntica em mente, é forçoso concluir que o bastonário se terá explicado mal.

Diga-se em abono da verdade que esta afirmação do senhor Marinho Pinto está longe de corresponder a uma convicção isolada ou, quanto muito, rara. Bem pelo contrário, a culpabilização do povo pela crise, pela dívida, pública e privada, pelo consumo não contido dentro das suas possibilidades, pelos investimentos faraónicos ou excessivos, quando não também inúteis, é frequentemente disparada por quem, afinal de contas, tem de um modo ou de outro, culpas no cartório e importa-lhe generalizar responsabilidades para disfarçado descargo de consciência.

Tem Marinho Pinto, logo que a ocasião lhe dá palco, denunciado, mas sempre em abstracto, situações de corrupção envolvendo gente de classes dirigentes ou influentes, não poupando sequer agentes de justiça, e, nomeadamente, até os juízes. Desta vez decidiu-se a disparar sobre a populaça, pela elementar razão de ela exercer o dever cívico de votar. Mesmo entendendo, de modo benevolente, que Marinho pretendeu acusar aqueles que elegem políticos corruptos é manifesta a gratuitidade da acusação: só são eleitos os candidatos que a lei consente, não sendo, obviamente, o povo a entidade responsável por esse consentimento. Os responsáveis são aqueles que estipulam as leis e aqueles que fazem observar o seu cumprimento.

Os advogados, também eles, são parte envolvida e interessada no processo de consentimento ou contenção dos actos de  corrupção. Actuando nesta área do crime geralmente do lado dos corruptores e dos corrompidos, os advogados têm enormes responsabilidades na colocação de entraves ao julgamento e condenação exemplar dos criminosos. Fazem-no invocando e abusando do garantismo dos direitos consignados na lei, que a classe, de um modo ou de outro, confecciona ou ajuda a confeccionar.

Por mais engulhos que isso coloque à sua consciência, para a classe de que Marinho Pinto é bastonário o crime de corrupção, obviamente, compensa.
 

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