Monday, February 13, 2012

A ECONOMIA DA FANTASIA

Atenas foi ontem assolada por um furacão de raiva e enlouquecimento. Derrubaram semáforos, destruíram as paragens dos autocarros, partiram as montras de lojas, espatifaram agências bancárias. Para quê?
Talvez para descontrairem.
Que os manifestantes tenham, despejado a sua fúria nas agências bancárias, compreende-se: foram os bancos que, lá como cá, importaram e distribuiram crédito movidos unicamente pelos estratosféricos rendimentos que os banqueiros embolsaram. Mas o resto destruído é mais um encargo debitado na conta dos gregos. A economia grega sustenta-se em grande medida dos serviços (77% em 2010)  com grande destaque para o turismo, e as imagens da destruição e do caos transmitidas em directo para todo o mundo não são convidativas para os turistas, sobretudo em tempos de crise.  

Segundo os relatórios do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Grécia ocupava em 1999 a 23ª.posição no Índice de Desenvolvimento Humano, atrás da Itália (20ª) e da Espanha (21ª). Portugal estava na 28ª. Em termos de PIB/capita na Itália era de 22172 dólares PPC, isto é, em termos de paridade de poder de compra, em Espanha, 18079, na Grécia 15414, em Portugal 16064. O Índice de Desenvolvimento Humano era superior na Grécia ao de Portugal apesar de ser inversa posição em termos de PIB/cap porque era superior na Grécia o índice da esperança de vida (0,89) ao de Portugal (0,84). No índice da educação Portugal situava-se ligeiramente acima da Grécia: O,93 e 0,92, respectivamente. A Irlanda estava em 18º. lugar (PIB/cap - 25918) , a Islândia ocupava o primeiro lugar (PIB/cap - 36510), a China o 87º. (PIB/cap - 3617).

Doze anos depois, a Espanha caiu para a 23ª. posição (PIB/cap - 26508, a valores constantes de 2005), a Itália caiu para a 24ª (PIB/cap - 26484), a Grécia caiu para a 29ª (PIB/cap -23747), ultrapassando Portugal em PIB/cap (20573), que caiu para a 41ª. posição. A Islândia caiu para a 14ª. posição, (PIB/cap - 29354), a Irlanda subiu para a 7ª posição (PIB/cap - 29322), a China caiu para 101ª. mas o seu PIB/cap duplicou.

Os efeitos das políticas de austeridade ainda não estão reflectidos nos valores do relatório saído em Setembro do ano passado. Mas não é difícil prever que a Grécia observará um tombo histórico, que Portugal continuará a cair no ranking, eventualmente baixando de divisão (de Very High Human Development para High Human Development), a Espanha, de novo com índices de desemprego record não vai recuperar tão cedo, a Itália segue pelo mesmo caminho. A Irlanda vai sustentar-se porque é sustentável o seu modelo económico, ainda que a factura da dívida externa subsista em níveis elevadíssimos por muito tempo.

E tudo isto porque durante mais de uma década as economias foram embriagadas pelo crédito fácil e barato. Tudo isto porque a banca drogou grande parte das economias ocidentais, oferecendo em crédito o que a economia real não lhes podia pagar em salários. Tudo isto porque a economia da fantasia, do ipod, do ipad, do face book, do twitter, dos media, do showbiz, do futebol,  convenceu os atónitos espectadores que a produção real era secundária.

Há dias dizia-me um amigo meu que já tinha visitado 36 países mas, confessava, em muitos casos não lhe restam na memória quaisquer referências do que visitou. Só sabe que passou por lá. As pessoas passaram a coleccionar viagens ao estrangeiro com o objectivo primário de coleccionar.

Leio no Expresso desta semana que o patrão da low cost Ryanair elogiou a falência da Spanair, defendendo que tal permitirá a chegada de novas companhias aéreas com preços mais baixos e serviço mais eficiente... Em março de 2010, depois de o sindicato dos pilotos ter anunciado uma greve, a Ryanair perguntava: "Quem ainda precisa de pilotos da TAP?"   Três meses depois, ofereceu ao presidente da TAP um bilhete de viagem gratuito para que experimentasse "a eficiência e a pontualidade da companhia líder em tarifas baixas".
Que custos escondidos ou esquecidos  terão de ser pagos um dia mais tarde?

Com tanta deslocação, tanto entretenimento, tanta emoção à vista, quem é que se dá ao trabalho de trabalhar?

2 comments:

Anonymous said...

Se o Senhor se tem ficado pelos " crimes da banca" e aí parado muito bem, mas ao ir mais além acaba por caír na veborreia escrita facil.
Na realidade tem que reconhecer que a culpa não está nos iPod, iPad, viagens, futebol, etc
Eles são bens de mercado em todo o mundo e os resgastados contam-se pelos dedos.
O problema está em não se3 cultivar que aquilo a que chama economia da ilusão é algo que se obtem por conquista ou mérito e não por ser algo " á mão de semear" para todos.
Depois tem que concordar que um mundo sem iPod, sem facebook, twitter, viagens, futebol, sem, sem...era muito chato , ficavam a sobrar apenas algumas baboseiras de uns tantos plumitivos.

rui fonseca said...

Caro Anonymous,

Obrigado pelo comentário mas se concorda comigo com a irresponsabilidade da banca na importação e distribuição de crédito movida pela ganâcia tem de condordar comigo no resto.

Porque se não tivesse havido essa importação de crédito não teria havido o consumo desregrado que se observou neste País.

Porque os ipad, os ipod, os telemóveis, os plasmas, os automóveis, até a esmagadora maioria dos jogadores de futebol são importados. As viagens ao estrangeiro também. O que é que produzimos para a troca? Embalámos-nos numa economia de fantasia.

Claro que o endividamento teve outros destinos: autoestradas, rotundas, obra para o povo arregalar o olho e dar o voto. Mas financiadas com dinheiro que veio do estrangeiro.

A economia real rastejou e continua a rastejar. O nosso problema não e estruturalmente financeiro mas económico. Por isso é que a nossa situação não é comparável com a Irlanda. Lá, a música é outra.

Não sei se me fiz entender.