Friday, December 02, 2011

PARADOXOS À PORTUGUESA

É intrigante, para quem não conhece os meandros do negócio, que em Portugal o número médio de leitores por cada jornal ou revista publicada seja dos mais baixos dos países ditos desenvolvidos mas, em contrapartida, seja dos mais elevados o número de títulos publicados por cada milhar de habitantes. Mais intrigante ainda é a subsistência deste aparente paradoxo ao longo de décadas, ainda que alguns títulos tenham sido substituidos ao longo dos anos por outros. Em princípio, a análise económica só pode explicar isto se aos proveitos directos do negócio forem acrescidos outros factores exógenos.

Houve tempo, à volta de três décadas atrás, que alguns jornais susbsistiam porque não pagavam o papel que consumiam, assumindo que o Estado (sempre ele) tinha a obrigação natural de fornecer, gratuitamente ou quase, o papel necessário. As dívidas subiram até níveis insuportáveis para a empresa pública incumbida de aguentar o fardo, até que um dia alguém, que cortou os fornecimentos aos devedores crónicos,  foi chamado ao ministro da tutela e o escândalo começou a ser reduzido nesse dia.

Acabaram os jornais ou reduziu-se o número de títulos? Não. Aumentou significativamente o número de leitores por título publicado? Também não. Reduziu-se a qualidade do papel e da impressão? Não se reduziu a qualidade e até aumentou, ao ponto de alguns dos jornais portugueses conquistarem prémios internacionais de grafismo. 
Aliás, é flagrante  a diferença na gramagem do papel revestido utilizado por algumas das mais conhecidas revistas portuguesas com as gramagens reduzidas das revistas estrangeiras universalmente conhecidas (Time, Newsweek, Economist, por exemplo). Dir-se-á, com cabimento, que o papel conta relativamente pouco no custo final da revista ou do jornal. Mas tratando-se de um custo variável, a preponderância dos custos fixos apenas torna ainda mais paradoxal o aparente sucesso de uma indústria com poucos clientes.

Ocorreu-me, mais uma vez, esta questão ao ler uma revista portuguesa oferecida gratuitamente pela TAP a todos os passageiros e outra, também gratuita, à disposição também de todos os passageiros (normal nas companhias aéreas) pela companhia suiça com quem a portuguesa tem acordo de co-share. Tanto a revista portuguesa como a revista da companhia aérea suíça têm 136 páginas. Na portuguesa, uma revista dirigida à classe média, 16 páginas são dedicadas a publicidade a relógios suíços. Na segunda, uma revista dedicada a passageiros de e para a Suíça, 20 páginas são dedicadas à publicidade de relógios suíços.

Que os relógios suíços invistam em publicidade na revista da companhia aérea suíça, percebe-se. Que uma revista portuguesa dirigida à classe média mereça o investimento publicitário do mesmo produto suíço de quase igual ordem de grandeza, pelo menos em espaço ocupado, é paradoxal, não é?

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