Friday, November 04, 2011

A FOME E A VONTADE DE COMER

Em defesa dos bancos, e nomeadamente dos bancos portugueses, geralmente  acusados de grandes responsabilidades na crise económica e financeira que está, e vai continuar, a atingir a grande maioria dos portugueses,  é argumentado que os bancos foram obrigados pelos governos a emprestarem ao Estado por lhes faltar capacidade para se oporem aquela intimação, que acabou por levar o país à beira da bancarrota.  

Não compreendo o argumento mas sei das razões porque se juntou a fome de fundos dos governos, com particular destaque para o anterior, à vontade de comer dos bancos intermediários no financiamento à rédea solta.

E não compreendo, porque os bancos, com excepção da Caixa Geral de Depósitos, são entidades privadas que se subordinam, salvo prova em contrário, prioritariamente aos interesses dos seus accionistas. Donde, parece-me inconsistente o argumento de que os banqueiros se subordinaram aos desígnios incontrolados do poder político, subalternizando os interesses dos accionistas. Geralmente, a apreciação das relações entre o poder político e o poder económico conclui pelo inverso.

Mas há mais: Do endividamento externo total do país, a parte maior está do lado da dívida privada (empresas e famílias) sem que, de algum modo, se possa, quanto a esta parte, transferir razoavelmente para o poder político as responsabilidades quanto ao desaforo observado nos níveis de endividamento privado atingidos.

A este propósito o argumento da defesa é outro: estavam errados os incentivos. Os bancos subordinaram a sua actuação a critérios que os induziram a privilegiar as aplicações em dívidas soberanas (cotadas pelo critérios de Basileia com grau zero de risco), os monopólios, as grandes empresas de obras públicas, etc., e a retrairem o financiamento às empresas de bens e serviços transaccionáveis. O que, reconheça-se, é só meia verdade.

E é só meia verdade porque, em última instância, a avaliação do risco do crédito concedido  compete a cada banco. E só os bancos, a associação dos bancos, o Banco de Portugal, e pouco mais, tinham acesso aos insustentáveis níveis de crédito que a banca estava a importar. Aquele que adquiriu casa porque lhe acenaram com juros baixos e financiamento a cem por cento (ou até mais) ignorava em absoluto o buraco para onde os bancos o estavam a encaminhar. Quando João Salgueiro, entre outros, afirma que "somos todos culpados"  o que pretende é salvar a face daqueles que representou na associação a que presidia quando as causas do cataclismo foram chocadas.

A junção da fome de uns à vontade de comer dos outros, só tem uma explicação, simples, aliás: os banqueiros ganharam à tripa forra com o negócio que, segundo eles, o governo lhes impôs. Tanto assim, que no primeiro trimestre de cada ano o foguetório de lucros subia cada vez mais no firmamento, excitando o pasmo do estimado público.

Que deu num foguetório de lágrimas a cairem agora torrencialmente, como brasas vivas, em cima dos senhores espectadores.

No comments: