Sunday, December 12, 2010

JET LAG

Tinham passado dezassete horas entre a saída de casa e a chegada ao destino. Eram duas da manhã em Lisboa e apetecia ingerir qualquer coisa. O que há para aí que se coma? Havia várias alternativas mas escolhi feijoada de chili. Chili? A esta hora, Rui? Que disparate!
Feijoada de chili, pouca coisa, que nem a idade nem a hora convidam a exageros.

Acordei eram 7,30, hora de Portugal.  

Fui ver as notícias.
Os resultados das eleições de 23 de Janeiro tinham obrigado a uma segunda volta, e a esquerda reagrupada tinha dado a vitória a Alegre. Sócrates, contrariamente ao que geralmente se tinha suposto, empenhara-se na campanha de modo a transformá-la num plebiscito à sua governação. Ou eles ou nós, tinha sido o lema que colocara o camarada Manel em Belém. Ontem, quinta-feira, aconteceu o primeiro encontro entre o PR e o PM.

- Zé, antes demais, toma nota de que temos de atribuir a partir deste mês, e com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro, um subsídio a todos quantos foram feitos cortes de salários e pensões ...
- Não podemos, Manel, não podemos ...
- Não podemos?!! Era o que faltava! Como é que não podemos e o César pode?
- A César o que é de César, Manel. O César tem poderes que eu não tenho.
- Como não tens? Não és, tu, o primeiro-ministro deste País?
- Pois sou. Mas, Manel, assumimos compromissos que não podemos deixar de cumprir. Bem vês, o défice, o mercado, o euro, a Merkel ...
- Pró diabo a Merkel ... Abandonemos o euro!
- Seria uma tragédia, Manel.
- Porquê?
- Porque o que devemos ao exterior, devemos em euros, ou em dólares, tanto faz ... Se voltássemos ao escudo ...
- Não. Voltamos às coroas ... O escudo nunca foi popular. Quem não falava em contos falava em paus. E de um tipo com massa dizia-se que tinha umas coroas. Ainda sou do tempo das notas de vinte escudos, que começaram por ser de vinte mil reis e passaram a ser de vinte paus. Dois-escudos-e-cinquenta-centavos eram vinte e cinco tostões e depois cinco coroas. Um escudo, dez tostões, depois duas coroas ... És novo demais para saberes destas coisas.
-...
- Estive a fazer umas contas, abandonamos o euro e introduzimos a coroa: Cada euro, quinhentas coroas... Só vantagens.
- ...
- Os subsídios compensatórios à César, já os podemos atribuir em coroas. Por cada 100 euros que cortaste atribuis 50 mil coroas de subsídio. Como já estamos em Julho, cinquenta vezes sete são trezentas e cinquenta  mil coroas de retroactivos nos salários mais cinquenta no subsídio de férias, seja quatrocentas mil coroas por cada cem euros. Já viste o impacto disto na economia?
- Mas, Manel ...
- Depois temos o salário mínimo. Andam para aí com discussões mesquinhas à volta de meia dúzia de euros ... Aumenta-se para ... Ora deixa cá ver, 500 euros serão 250 mil coroas, aumenta-se para 300 mil coroas por mês ... O que é que achas?
- Acho bem, mas ... nesse caso, bem vês, temos de arranjar dinheiro para pagar o que devemos em euros ...
- E arranja-se, qual é a dúvida?
- Só vendendo a Caixa aos estrangeiros ...
- Nem pensar!
- E as águas?
- Só por cima do meu cadáver!
- E a Madeira ... e os Açores ...
- Não estás a falar a sério, pois não?
- Nunca falei tão a sério na minha vida. De uma cajadada matavam-se dois coelhos.
- Nem mais uma privatização, ouviste?
- Seremos expulsos da União Europeia.
- E da Nato, espero.
- Provavelmente.
- Não nos expulsarão daqui!
- Não ganharemos para o petróleo.
- Temos as renováveis.
- Por enquanto, não chegam.
- Instalem-se mais!
- Precisamos de capitais.
- Não os deixem sair.
- Fugirão.
- Nacionaliza-se a banca.
- Somos minoritários na AR.
- Dissolve-se a AR.
- E se perdemos?
- César nunca perde. Zé, César nunca perde!

São dez e meia da manhã em Portugal.
Quem te mandou, a ti, Rui, comer o chili às duas da manhã?

2 comments:

António said...

Uma diarreia daquelas.
Tenha juízo.
Coitada da Senhora.

rui fonseca said...

Diarreia mental não incomoda a vizinhança.

Não sei se incomodou alguém. Mas estou certo que não.