Wednesday, March 03, 2010

UM CAVALO DE TRÓIA EUROPEU

Barry Eichengreen
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A Europa está, inevitavelmente, a avançar para um resgate à Grécia. Vai haver um financiamento de emergência, com condições, e o Governo de Atenas vai ser obrigado a fazer promessas. Isto vai permitir que as autoridades gregas cumpram os compromissos da sua dívida. Os mercados vão acalmar. As consequências de longo-prazo não vão ser agradáveis mas esses problemas ficam para outro dia. Muitos vão afirmar que o erro principal foi deixar a Grécia aderir ao euro. Devia ter ficado claro que o país não estava preparado. As suas políticas orçamentais já estavam fora de controlo quando o país aderiu à união monetária em 2001 e os sindicatos pressionaram o Governo para elevar os salários para níveis europeus, apesar da produtividade ser inferior à europeia. Mas esta resposta é muito simples, já que estes sinais disfuncionais não se limitam à Grécia. A Espanha, com uma taxa de desemprego de 20% e um défice orçamental explosivo, vê na Grécia uma imagem do seu próprio futuro. Ou se não vir, os mercados vêem. Portugal e Itália estão um pouco melhor. Tal como a Grécia, estes países enfrentam drásticas reduções orçamentais. Tal como a Grécia, não podem desvalorizar a moeda para impulsionar as exportações. Tal como a Grécia, enfrentam recessões profundas. Tal como a Grécia, vão sentir-se tentados a pedir ajuda. Tudo isto leva-nos a uma pergunta óbvia: a criação do euro foi um erro? Dado que fui um dos poucos norte-americanos que apoiou a criação de uma moeda única europeia, é legitimo que me perguntem se eu mudei de opinião. A minha resposta é não. A criação do euro não foi um erro mas pode ainda vir a ser. A crise grega mostra que a Europa está apenas a meio caminho da criação de uma união monetária viável. Se continuar nesta direcção, a próxima crise pode fazer com que esta pareça uma brincadeira de crianças. Para completar a sua união monetária é necessário que a Europa crie um mecanismo adequado de financiamento de emergência. Actualmente, os Estados-membros só podem ajudar a Grécia se contornarem as regras, que os impedem de ajudar outros Estados-membros a não ser em casos de desastres naturais ou em circunstâncias alheias ao país. Isto aumenta a incerteza. Quando os líderes europeus prestam ajuda, isso leva a opinião pública e os mercados a pensar que estão a ser desonestos. Se o Tratado de Lisboa está a criar estes problemas, então deve ser alterado. Além disso, a ajuda deve ser dada, não apenas, com condições mas com a existência de um controlo temporário das contas públicas por uma comité de "especialistas" nomeados pela União Europeia. A história diz-nos que as promessas de quem recebe a ajuda não são suficientes. Não há dúvida que os países aos quais se aplicarem estas medidas vão expressar o seu desacordo. Ninguém os obriga a aceitar o dinheiro. Preocupados com o risco moral? Aqui está a vossa solução. Saliento ainda que este mecanismo de disciplina seria muito mais eficaz que o defunto Pacto de Estabilidade e Crescimento. Podem perguntar: como se sentiriam os californianos se os obrigassem a colocar, temporariamente, o seu défice orçamental nas mãos de um especialista nomeado pela Administração do Presidente Barack Obama? Provavelmente, não iriam ter problemas com isso. O especialista nomeado não seria um californiano mas um norte-americano. As pessoas iriam entender que ele estava a agir em benefício do Estados e do país. Além disso, iriam sentir-se reconfortadas pelo facto da Califórnia enviar representantes a Washington, D.C., de onde este especialista daria as suas ordens. Os europeus não fazem isto porque, em primeiro lugar, consideram-se gregos ou alemães. Não interferem nas "prerrogativas soberanas" de outros Estado-membro. A Alemanha é, especialmente, relutante, devido às suas memórias da II Guerra Mundial. Mas se a Europa leva a sério a sua união monetária terá que superar o seu passado. Precisa, não apenas, de maiores vínculos económicos mas também políticos. Quem gerir o mecanismo de financiamento de emergência terá que ser extremamente responsável e responder perante um Parlamento Europeu forte. Os votantes da chanceler alemã Angela Merkel detestam os resgates financeiros porque sabem que são eles que o vão pagar. Detestam qualquer coisa que soe a integração política europeia. Mas, nesta crise, a Alemanha não está isenta de responsabilidades. Exigiu um banco central extraordinariamente independente e autónomo que hoje aplica uma política monetária demasiado rígida, que agrava os problemas do PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). O enorme excedente da conta corrente alemã agrava ainda mais os seus problemas. A Alemanha tem feito muito pouco em termos de estímulos orçamentais para apoiar a economia europeia. A Alemanha beneficiou enormemente com a criação do euro. Deveria devolver o favor, impulsionado a criação de um mecanismo de crédito de emergência e tornando possível a integração política. Deveria fornecer mais apoio orçamental. E quem está melhor posicionado para exigir um Banco Central Europeu mais responsável? A crise grega poderia ser o "cavalo de Tróia" que leva a Europa a uma integração política mais profunda. Sonhar não custa.
Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley.

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