Sunday, January 10, 2010

DE VOLTA AO PARAÍSO

A geração que está agora com 16-25 anos estará perdida?

O tema é cada vez mais recorrente. Já lhe dediquei vários apontamentos neste caderno. Nomeadamente, a 16 de Junho de 2006 transcrevi aqui, do Público, parte de uma premonição feita numa entrevista concedida por Agostinho da Silva em 1990 aquele jornal, que concorre no mesmo sentido das minhas convicções acerca da inevitabilidade da redução do trabalho até à sua quase extinção:
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“Não podemos pôr de parte a ideia de que o capitalismo domina a nossa vida. E tem que dominar, porque só uma economia capitalista pode levar a um desenvolvimento pleno do mundo e acabar a guerra contra a carência, que vem de longe”“Um dia, chegaremos a um ponto em que toda a economia desaparecerá e que será apenas uma recordação do passado, como queriam os portugueses do sec XIII (Ilha dos Amores, segundo Luis de Camões) (…) Esses portugueses queriam que a vida se tornasse gratuita, não reclamavam apenas que a vida se tornasse mais barata do que era, mas sim que se fizesse todo o possível para que um dia fosse inteiramente gratuita”“Continuamos, hoje, a dizer que as pessoas que têm o tempo livre e que talvez nunca mais trabalhem são “desempregados”, como se houvesse emprego para eles. Não há. E nós temos que resolver esse problema de alimentar, educar e instruir os homens com tempo livre, para que eles sejam plenamente os tais poetas à solta”“Espero que, um dia, tudo o que é obrigatório fazer, hoje, para assegurar a campanha de produção deixe de ser necessário, porque as coisas vão melhorando de tal ordem, que será possível a cada um entrar cada vez menos nesse jogo geral da produção. E, então, cada um pode dar a sua mensagem particular ao mundo e fazer a sua obra, porque é único. Acho que chegaremos a esse tempo, porque, quando se olha para a marcha da história, as aproximações têm acontecido e estão a acontecer hoje de uma forma cada vez mais rápida”“Eu costumo dizer que a vadiagem é uma das formas de poesia”“O homem não nasce para trabalhar (mas sim) para criar”
“No futuro, não vai haver emprego para os meninos”.
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A crise actual veio acelerar a tendência que tenho realçado e que contraria aquilo que muitos têm por adquirido: o aumento da produtividade conduzirá inevitavelmente à redução da necessidade de trabalho; o aumento de produção não pode ser correspondido por uma aumento paralelo de consumo, por várias razões (exaustão dos recursos naturais, degradação ambiental, entre outros) e também porque o homem dispõe individualmente de um tempo limitado para consumir e de um tempo tendencialmente ilimitado para produzir. Consequentemente, as sociedades habituar-se-ão a trabalhar cada vez menos. O ajustamento a essa nova realidade sociológica será tanto mais traumatizante para os atingidos quanto mais vigoroso for o crescimento da produtividade nas sociedades economicamente mais desenvolvidas.

12 comments:

António said...

Porreiro, pá!

Isto é animador...

Luciano Machado said...

Olá Rui
Tens que explicar melhor essa do tempo de produção ilimitado versus tempo de consumo limitado.
Parece-me que o consumo dependerá mais da população em si do que do tempo que ela tem para consumir.
Ou não?

António said...
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António said...

Este vai longe...
Queria ir até à India, mas mal atravessou o canal, desistiu.
Tem futuro...

Mark Boyle: Há um ano sem dinheiro
Vive há um ano sem dinheiro, numa roullote, come o que cultiva e alimenta o computador a energia solar.

http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Gente/Interior.aspx?content_id=1466566

rui fonseca said...

Olá Luciano!

A economia baseia-se na troca, como muito bem sabes. O dinheiro é apenas um instrumento facilitador.
Assim sendo, e enquanto assim for, a produção/homem/dia que tende a crescer até onde os recursos naturais disponíveis o permitirem, supera a capacidade de consumo/homem/dia que está limitado pelas 24 horas de cada dia. Dito de outro modo, tu podes produzir um número crescente de automóveis/dia mas o número de automóveis que podes conduzir é limitado.

Dir-me-ás: Pois bem, mas há quem não tenha automóvel. Pois há mas em muitos casos não tem nada para a troca.O mercado não lhe compra nada porque está saturado de oferta.

Aliás, a sintomatologia de que isto pode ocorrer independentemente do desenvolvimento de uma sociedade pode observar-se na estagnação da economia nipónica e nos problemas que enfrenta o modelo exportador alemão.

A Alemanha tem problemas que nós não temos: balança comercial excedentária, por exemplo. Como o consumo interno não cresce a economia declina.

Uma das fugas para este desequilíbrio entre as potencialidades físicas da produção e as limitações físicas do consumo é o desperdício (compramos o que não precisamos, comemos a mais, viajamos empurrados pelos hábitos de viajar criados à nossa volta, compramos livros que nunca leremos, brinquedos para as crianças execede,as suas capacidades lúdicas, etc.)

O Pinto Balsemão dizia ontem no Expresso que era preciso aumentar os investimentos em publicidade para incrementar o consumo. E mais: propunha que houvesse incentivos para tal (do Estado, claro).

Assim sendo, um dia, não sei quando, mas já há sintomas, não haverá trabalho no sentido em que o entendemos hoje.

Pensa num banco, por exemplo: Que operações realiza um banco que não possam ser automatizadas? Conheces ou imaginas alguma?

Como muitas vezes te tenho dito: Um dia quem quiser trabalhar paga para trabalhar. O trabalho será um bem escasso. Portanto será só para alguns.

Blague? Claro. Mas não sei bem até que ponto.

Rui Fonseca said...

"Mark Boyle: Há um ano sem dinheiro
Vive há um ano sem dinheiro, numa roullote, come o que cultiva e alimenta o computador a energia solar."

Caro António,

A filosofia do regresso ao primitivismo sempre existiu. Nuns casos por opção, noutros por falta de tino, por auto marginalização, muitos porque são empurrados para ela.

Neste último caso uma sociedade justa tenderá a recuperar ou a não deixar cair. Mas ainda neste caso há uma aplicação do que referi: os que trabalham pagarão parte dos seus rendimentos para sustentação daqueles que não têm realmente trabalho, não porque fujam dele mas porque ele não existe.

Salvo melhor opinião.

António said...

Não confunda.
Trabalho e emprego são coisas com alguma diferença.
Há sempre que fazer.
Pagar trabalho com comida?
E os cigarros, as bejecas, e o resto?
Não se preocupe muito, que isto qualquer dia rebenta.
E mal rebente, a primeira coisa a fazer é fechar os aeroportos e as saídas por estrada.
Há gente a mais em tão pequeno território.
Sobretudo muito ladrão para tão pouca gente séria.

Luciano Machado said...

Ao longo da História as várias crises económicas têm resultado de um excesso de produção relativamente ao consumo, com origens várias que os economistas tentam identificar, mas nunca vi refrido como causa a falta de tempo para consumir nem me parece que seja ou venha a ser relevante. Mesmo numa sociedade hiper desenvolvida em que a produtividade do trabalho seja de tal ordem que grande parte da população possa estar afastada do processo produtivo, a unica forma de assegurar o equilíbrio será por via de transferências sociais. Não é que alguém tenha que pagar para trabalhar mas aquilo que ganha ser infinitamente inferior àquilo que produz libertando uma mais-valia para repartir pelos que nada produzem mas que têm que continuar a consumir. Neste estádio quem assegurará a distribuiçao do produto que seja aceite pela grande maioria? será que Estado voltará a ter um papel primordial e insubstituível? Será esta a utópica sociedade comunista?
O que quer que seja, podes estar seguro que já não estaremos cá para ver.

rui fonseca said...

"O que quer que seja, podes estar seguro que já não estaremos cá para ver."

Seguríssimo.

De qualquer modo não perdemos nada se nos divertirmos com estas especulações inofensivas.

Invocas a história para referires os ciclos económicos em consequência do desequilíbrio entre a oferta e a procura agregadas.

No entanto, caro Luciano, nunca na história da humanidade houve tanta capacidade de produção possível.
E não há dúvida que a capacidade de consumo é limitada. Por maior que seja a voracidade toda a gente tem um tempo limitado para consumir. Isso é muito nítido até nas vidas daqueles que são mais moderados. Há muito desperdício. Muito kitsch.Muita coisa que não chega a ser usada. Isto nunca aconteceu em épocas históricas anteriores.

rui fonseca said...

"Há sempre que fazer."

Caro António,

Em certo sentido concordo consigo. Quando ouço que o desemprego está já em 10,3% mas olho à volta e vejo Lisboa ( e não só) cheia de chagas, prédios abandonados até nas principais avenidas, a Fontes Pereira de Melo tem vários, as ruas por limpar, os jardins por tratar, quando olho para os campos e os vejo abandonados e continuamos a ser dependentes em bens alimentares do exterior,sou levado a concluir que há muito que fazer e alguma coisa está mal regulada neste país.

Mas esta é a perspectiva de quem olha à volta e raciocina em face do que vê. Para além disso, contudo, há mais mundos e é a marcha desses mundos que procuro espreitar em face das mensagens que chegam até mim.

Uma das razões pelas quais se estabelece um desequilíbrio forte entre a oferta e a procura é o endividamento. Em princípio consumimos mais do que produzimos se nos endividarmos. O que não é sustentável indefenidamente. Mas também podemos produzir para além das nossas necessidades e das nossas capacidades de consumo.

Há poucas décadas no sector primário trabalhavam em todo o mundo a parte mais significativa da população activa. O sector secundário já ultrapassava, contudo, o sector primário no emprego. Hoje a situação é radicalmente diferente: o sector primário e secundário utilizarão globalmente uma parte menor da população activa. A maioria passou para os serviços. Nos países mais desenvolvidos (e por vezes nem tanto) os serviços ocupam mais de 70% da população activa. Mas os serviços (pense nos bancos, por exemplo) poderão um dia destes ser totalmente automatizados.

Salvo melhor opinião.

António said...

Mas os serviços (pense nos bancos, por exemplo) poderão um dia destes ser totalmente automatizados.

Salvo melhor opinião.
Pois podem. O pior é o resto.

João Vaz said...

Copiei parte do artigo para o meu blog. Concordo com a análise do Rui.