Wednesday, December 16, 2009

O PREÇO DO NATAL


O que é que resta do Natal português? Daquilo que povoava o imaginário da minha infância restam poucos sinais. Hoje, o sinal exterior mais expressivo do Natal são as compras. O frenezim consumista destronou o espírito do Natal. O Natal globalizou-se, não através da celebração do nascimento de Cristo mas pela imitação dos hábitos de consumo. O Pai Natal tornou-se universal sem que ninguém, português ou chinês, indiano ou italiano, brasileiro ou australiano, perceba nem se interrogue que pai é este. Nos Estados Unidos o Pai Natal é Santa (Santa Claus), por adopção do nome nórdico do personagem que promove as vendas natalícias em todo o mundo. A força da marca é tanta que, para além de extravasar as fronteiras dos continentes onde o cristianismo chegou, o merchandising natalício já é em alguns mercados venda de todo o ano.
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A economia, ou pelo menos a economia tal qual a apercebemos à nossa volta, alimenta-se em parte significativa desta ânsia de consumo, de imitação e troca de prendas. O consumo estimula a procura, a procura a produção, a produção o emprego. Mas a sequência não se resolve em circuito fechado. O consumo de whisky, por exemplo, não estimula a produção e o emprego em Portugal. Daí não viria mal ao nosso mundo se o consumo dos outros estimulasse outras produções e o emprego em Portugal. Mas não é assim porque muito do whisky que se bebe em Portugal vai para o rol dos devedores. Que continua a subir imparavelmente sem que os bebedores tenham, por enquanto, consciência disso.
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Refiro whisky para citar apenas um dos muitos produtos que enchem os cabazes de Natal e os sacos de prendas para familiares, amigos e conhecidos.
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Mas se a maior parte do consumo natalício em Portugal apenas incute entre nós aumentos de actividade de natureza comercial terão as ofertas para quem recebe um valor estimado correspondente ao seu valor comercial? Não têm. Sabe-se que em muitos casos os artigos recebidos são trocados mais tarde por outros, muitos são considerados inúteis ou menos úteis, alguns passados a outros prendados.
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Um artigo publicado no Economist* há quase uma década comentava um estudo de Joel Waldfogel sobre a disparidade, e consequentemente da perda de valor, entre o preço pago por quem oferece e o valor estimado por quem recebe. A mesma abordagem é retomada na última edição de Planet Money através de uma entrevista ao mesmo Joel Waldofel, a propósito do seu livro Scroogenomics: Why You Shouldn't Buy Presents For The Holidays, divulgando as suas conclusões originariamente publicadas na American Economic Review.
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Numa altura em que tanta gente (mas não tanta ainda) clama contra o crescimento imparável do endividamento externo como é que ninguém fala desta diarreia consumista que ameaça a economia portuguesa de inanição?
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* vd. aqui

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