Wednesday, November 11, 2009

OS DEVERES DOS OUTROS

"Impõe-se que os empresários invistam:
em sectores de actividade, nomeadamente industriais, mais exigentes em mão-de-obra qualificada, em equipamentos tecnologicamente mais evoluídos, em investigação, desenvolvimento e inovação e com elevada dinâmica de crescimento;
em sectores de actividade "tradicionais", ascendendo na cadeia de valor, na evolução da produção para fases dos processos produtivos mais exigentes e geradoras de maior valor acrescentado"
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Quem é que pode discordar? Penso que ninguém.
E, no entanto, esta nossa vocação para ditarmos os deveres dos outros não tem o condão de fazer com que os outros façam o que nós bem entendemos que eles devem fazer.
Que eles (os empresários, neste caso) devem investir em sectores mais exigentes de mão-de-obra qualificada, até eles concordam. E concordam mesmo da forma mais sincera. Têm apenas um problema para fazer o que nós achamos que eles devem fazer, e que eles mesmos concordam que deveriam fazer: Não sabem como é que isso se faz, caso contrário já o teriam feito. Não há nenhum empresário, minimamente digno desse nome, que despreze uma vantagem se estiver consciente de que por ela passa a oportunidade de aumentar a produtividade da sua indústria e, consequentemente, os seus resultados líquidos.
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Temos os empresários que temos e estou certo que não se modificarão pelo facto de lhes dizermos o que devem fazer. Ninguém muda de comportamento se não se aperceber das vantagens da mudança. De modo que, mais do que ditar o que os outros devem fazer, é fundamental, do meu ponto de vista, reflectir sobre aquilo que poderá atrair para as responsabilidades empresariais pessoas com mais capacidade para enfrentar as confrontações que a globalização impõe.
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Em 2006, os sectores de baixa e média-baixa tecnologia (onde os têxteis e calçado são os mais relevantes) ainda representavam mais de 80% do emprego total por conta de outrem nas manufacturas.* Qual o perfil típico dos empresários nestes sectores? A grande maioria fez-se empresário à força: sem oportunidades de estudar para além do primário, ou secundário em casos mais raros, mas com alguma audácia nata, fez-se empresário porque não tinha habilitações literárias para bancário ou funcionário público. Daqueles que frequentaram a Universidade, quantos se tornaram empresários? Do meu curso, um, porque o pai dele já era. Mesmo assim, abandonou a indústria e passou-se para o trading antes de se reformar.
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Estamos a ouvir quase diariamente notícias de encerramento ou a deslocalização muitas destas empresas que vendem, essencialmente, horas/trabalhador. Na grande maioria dos casos, não houve nem há reformas processuais ou estruturais que lhes valham. Lamentavelmente, a competitividade não decorre, ou não decorre de forma crítica, da produção realizada por cada trabalhador mas do salário (geralmente muito baixo) que lhe é pago, em concorrência mundial com os seus homólogos da China, Índia, etc..
Nem a estes empresários nem a estes trabalhadores é razoável pedir mais do que eles estão preparados para dar. O que não significa que não devamos nós ajudá-los a subsistir.
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Se Portugal tem uma economia significativamente dual, a redução da importância relativa dos sectores de venda de horas/trabalhador e o crescimento dos sectores de alta tecnologia implica a formação técnica competitiva mas também a criação de condições onde possa desenvolver-se a apetência pelo empreendedorismo.
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Enquanto tal não acontecer, e a asfixia por endividamento externo não nos impuser a modificação de ideias, os mais qualificados preferirão o conforto de um emprego razoavelmente remunerado e certo nas profissões liberais, na banca, nos monopólios de facto, no funcionalismo público, ou emigrar. Porque não?
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