Sunday, October 11, 2009

FRANCHISING ELEITORAL

Homem morto a tiro à entrada de uma mesa de voto
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Trata-se, espera-se, de um caso isolado. Os portugueses, alguma qualidade lhes sobra, nunca aprenderam com nuestros hermanos o hábito de se matarem uns aos outros. A revolução de Abril, por ser dos cravos, não foi feita com tiros e, talvez por isso, não chegou a ser revolução. Daí que uma parte importante da idiossincrasia portuguesa tenha migrado do antigo regime sem sobressaltos.
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O caciquismo é um exemplar vivo dos tempos antigos que se adaptou às modulações do regime: vinha do fim do liberalismo monárquico, manteve-se vivo durante a Primeira República, foi adoptado pela ditadura, e continua instalado após trinta e cinco anos de regime democrático. Em terra de brandos costumes o caciquismo raramente perde terreno. Entre as bases e o topo das pirâmides partidárias a quem os eleitores concederam o poder de governar os dinheiros públicos, estabelece-se uma corrente de conivências em ambos os sentidos.
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Só assim se compreende a tenacidade posta na luta partidária para o governo de uma freguesia. Há alguma réstea ideológica que possa estabelecer diferenças entre o candidato A do partido X e o candidato B do partido Z? Não há. O que pode haver são conivências de interesses pessoais e partidários entre A e X e B e Z.
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As freguesias, já comentei aqui neste caderno de apontamentos, não têm dimensão económica que justifique a gestão de meios que lhes está a ser confiada. Os candidatos batem-se pelas retribuições e pelas oportunidades que a gestão dos dinheiros públicos que os cargos lhes proporcionam. Os partidos esperam, em contrapartida, que eles lhes assegurem a promoção eleitoral local. São os representantes locais da marca*. E não lhes importa, geralmente, que a representação seja suspeita se os resultados forem os esperados.
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A representação das freguesias, ou comunidades de eleitores, deveria ser feita através da Assembleia Municipal. E essa representação bastava. A entrega de dinheiros públicos, que na sua totalidade se elevam a muitos milhões, só serve os interesses pessoais dos mini-autarcas e dos partidos que representam. Quando essa conivência de interesses é ameaçada até em terra de brandos costumes pode haver tiros.
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*Há casos em que o cacique rompe o contrato de franchising e passa a actuar por conta própria. Mas em nenhum desses casos o cacique dispensou o empurrão inicial partidário. As razões subsistem, os proveitos é que passam a ser distribuidos de outra forma.

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