Sunday, July 19, 2009

OS ADVOGADOS DO EMPREGO E O EMPREGO DOS ADVOGADOS

Expresso - Uma das críticas duras que desferiu ao seu próprio mundo foi a de que havia um exagero de novos advogados em Portugal. Se as regras de acesso à profissão que defende já estivessem em vigor, a sua filha seria advogada?
Marinho Pinto - Provavelmente, nem eu seria. Não podemos ter uma profissão massificada, em que o número de advogados é manisfestamente superior às necessidades sociais. A advocacia é uma actividade privada e liberal, com uma dimensão de interesse público e vinculação a valores éticos e deontológicos. Não pode haver ética profissional quando se luta pela sobrevivência. Não se pode deixar ao mercado a regulação que a Ordem deve fazer. O mercado não tem ética. Se necessário, há que cortar na própria carne.
Expresso - É assim que fala o bastonário sobre os 35 mil juristas portugueses, 26 500 dos quais inscritos na Ordem.
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O bastonário da Ordem dos Advogados é um personagem altamente polémico, sabe-se que tem muitos pares que detestam muitas das posições que ele defende e muitos interesses que ataca. Do que se transcreve atrás, de uma entrevista publicada na revista Única deste fim-de-semana do Expresso, serão muito poucos aqueles que, estando inscritos na Ordem, comandados pelos seus próprios interesses, discordarão dele.

Este excerto da entrevista é um exemplo acabado da defesa do espírito de corporativismo, que era um dos emblemas do regime caído há 35 anos, e que ainda subsiste em todo o seu esplendor.

Diz Marinho Pinto que não pode (a Ordem) aceitar que o número de advogados seja manifestamente superior às necessidades sociais. Poderia não ter acrescentado mais nada porque esta afirmação resume tudo aquilo em que se consubstancia a ideologia corporativa. A Ordem define as necessidades sociais estabelecendo numerus clausus para a admissão na profissão, protegendo os que estão dentro, arredando os que estão fora, independentemente do mérito relativo. E por quê? Porque não há ética no mercado do trabalho, e, segundo Marinho Pinto, a ética na advocacia é salvaguardada pela restrição da oferta de advogados.
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Se admitirmos, na perspectiva de Marinho Pinto, que a toda e qualquer profissão é legítimo invocar a ética como referencial indeclinável nas respectivas actividades, e que o mercado conduz a práticas não éticas, legítima se torna toda a prática corporativa que defende irrestritivamente os que estão dentro e repele os que estão fora.
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Lamentavelmente, Marinho Pinto não faz mais do que defender o que o corporativismo, ainda tão vivo na sociedade portuguesa em múltiplos aspectos, escandalosamente representa: uma sociedade onde a competência é frequentemente segregada pelo compadrio e pelos interesses de classe.
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Um escândalo que se torna ainda mais evidente quando a crise dupla se abate sobre os que estão fora. Talvez por razões de má consciência são, frequentemente, os que representam os interesses dos que estão dentro aqueles que mais clamam pela criação de empregos para os que estão fora.

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