Wednesday, May 27, 2009

NÓ CEGO

Conferência no ISEG sobre os cenários pós-crise. Crise global, entenda-se, porque a nossa vai tardar a passar e, para a passar, ninguém sabe bem como. Na assistência, convocada pela Associação dos Antigos Alunos, estava sobretudo gente madura ou muito madura. De idade jovem talvez estivesse um ou outro mas não dei por eles. A crise não parece preocupar as novas gerações de economistas. Ainda bem?

Vítor Bento, o primeiro dos convidados a indicar o caminho foi claro e conciso. Apresentou a perspectiva que já conhecíamos da leitura de "Perceber a crise para encontrar o caminho" e que já, entre outros locais, comentei aqui , aqui e aqui.
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Resumidamente: Os caminhos descobrem-se conhecendo bem o ponto de partida. E o ponto de partida da economia portuguesa para o pós-crise global continuará complicado. 1- Na última década a procura agregada tem excedido sistemática e crescentemente a oferta. Donde a solução está do lado da oferta e nunca do lado da procura como frequentemente se quer frazer crer. 2 - Portugal tem investido muito acima da média europeia mas a eficiência do capital investido tem sido baixa, situando-se em penúltimo lugar. 3 - Deste modo o potencial de crescimento situa-se abaixo da média europeia. 4 - Enfrentamos a maior dívida externa de sempre, relativamente ao PIB. 5 - A estabilidade do rácio dívida externa/PIB exigiria um crescimento de 6%/ano. 6 - Tudo isto porque gerimos mal a convivência com uma moeda forte e a indisponibilidade para gerir uma política cambial própria. Antes da adesão ao SME a inflação flexibilizava os salários. A um choque monetário expansionista respondeu, erradamente, o governo de então com um choque fiscal expansionista. Esta situação privilegiou o sector não transaccionável, que não tem de competir com o estrangeiro, e prejudicou o sector transaccionável, geralmente price taker. O investimento, naturalmente, preferiu o sector não transaccionável, até porque lhe eram (e continuam a ser) concedidas condições de fiananciamento mais favoráveis (da ordem dos 5% na última década) 7 - O deflactor relevante para o sector transaccionável é o nível dos preços que pode praticar e que fica, quase sistematicamente, aquém do nível do IGP. 8 - Por tudo isto o défice externo subiu, e continua subir, para níveis incomportáveis no futuro próximo.
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Félix Ribeiro, o segundo orador convidado, preferiu abandonar o guião que havia preparado e teceu algumas considerações avulsas: 1 - A "redescoberta da terra" como fonte de renda (alusão à especulação imobiliária). 2 - A privatização dos monopólios de facto, onde a iniciativa privada desfrutou as vantagens do sector não transaccionável, emergentes da adesão ao SME. 3 - A globalização e a adesão ao euro como factores mortais do sector transaccionável que, aliás, veio sempre do exterior, das multinacionais, e, após a adesão ao euro, nomeadamente da Alemanha, que agora, após a adesão do países de leste se virou para aqueles lados. 4 - O turismo como sector importante mas não como motor de uma economia de cerca de 10 milhões de habitantes.
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João Ferreira do Amaral, que refutou a ideia de ser um economista contra a corrente mas contra o desvario que se seguiu à adesão ao euro, sublinhou alguns pontos referidos por V Bento, nomedamente a subida, quase estagnação, de 0,5% do rendimento nacional na última década, a escalada da dívida externa que já atingiu os 100% do PIB e que não é crível possa atingir os 180% no fim da próxima década, a manter-se a evolução observada do défice externo nos últimos 10 anos.
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Propõe: 1 - A negociação de condições extraordinárias com a UE que permitam reequilibrar a balança comercial. 2 - Nomeadamente, a possibilidade de discriminar positivamente o sector transaccionável e negativamente o não transaccionável, actuando com políticas fiscais adequadas.
3 - Reduzir a despesa com a importação de petróleo, por substituição de outras fontes, e melhorar a eficiência dos consumos energéticos. 4 - Direccionar os investimentos públicos para as infaestruturas que facilitem as exportações, nomeadamente em portos e vias de comunicação com as unidades produtoras. 5 - Privilegiar os investimentos de aproveitamento dos recursos marítimos e florestais. 6 - Qualificar a formação profissional.
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Se a comunicação de V Bento não surpreendeu, porque as suas posições são sobejamente conhecidas por quem o queira ler o ouvir, Félix Ribeiro desiludiu porque se esperava dele uma participação menos constrangida. Prometeu enviar-nos o guião que tinha preparado. J F Amaral evitou, e ainda bem, lamentar a adesão ao euro, e avançou com propostas. Destas, a mais decisiva, a negociação de condições extraordinárias de reequilíbrio coma UE, parece, se funcionar, a que apresenta maior viabilidade tendo em conta o nó cego (expressão de VBento) em que se encontra a economia portuguesa. Aliás, eu próprio, ao comentar no blog da Sedes alguns post dedicados ao livro de Vitor Bento, referi essa saída, que VBento considerou impraticável por contrariar as regras da UE e do SME. Aparentemente, a definição dessas regras esqueceu a possibilidade de um estado membro vir a enveredar por um caminho sem saída.
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À lista de JFAmaral deveria ser acrescentada uma lista imensa de gastos públicos e privados que deveriam ser cortados ou penalizados que fosse ajudado o reequilíbrio da balança comercial também do lado das importações. Aludi a este conjunto de acções e intervenções em várias ocasiões e, nomeadamente, aqui , aqui e aqui .
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Há muita despesa pública que pode e deveria ser cortada rente. Há muita outra que deveria ser desbastada. Sem que o funcionamento dos serviços e os interesses dos cidadãos fossem beliscados. Salvo dos que vivem parasitariamente à custa de todos os outros.

4 comments:

A Chata said...

"1 - A negociação de condições extraordinárias com a UE que permitam reequilibrar a balança comercial."

Rui

Gostaria, se tiver tempo e paciência, que me 'traduzisse por miúdos' esta proposta.

Que condições seriam essas?

Obrigada

A Chata said...

Hoje estou mesmo chata.

O que acha disto?


The Weimar Hyperinflation? Could it Happen Again?

by Ellen Brown
May 19, 2009

Some worried commentators are predicting a massive hyperinflation of the sort suffered by Weimar Germany in 1923, when a wheelbarrow full of paper money could barely buy a loaf of bread. An April 29 editorial in the San Francisco Examiner warned:
“With an unprecedented deficit that’s approaching $2 trillion, [the President’s 2010] budget proposal is a surefire prescription for hyperinflation. So every senator and representative who votes for this monster $3.6 trillion budget will be endorsing a spending spree that could very well turn America into the next Weimar Republic.”1
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http://globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=13673

Rui Fonseca said...

"Que condições seriam essas?"

As regras comunitárias, e nomeadamente as do Sistema Monetário Europeu, não consentem discriminação de uns sectores relativamente a outros.

Acontece que não havendo possibilidade de gestão monetária adequada a cada região um país, e é o caso de Portugal, pode encontrar-se em situação de bloqueamento de financiamento externo por excessiva acumulação de défices comerciais.

Claro que nenhum país encerra, mas há países, há regiões, que acabam por ser zonas de repulsão demográfica por falta de oportunidades de emprego.

A não correcção da situação actual poderá implicar uma situação de empobrecimento continuado.

Rui Fonseca said...

"O que acha disto?"

Acho que é possível. Mas é uma perspectiva terrível.
Já me tenho referido aqui neste meu caderno de apontamentos a essa possibilidade.