Saturday, March 07, 2009

QUEM MEXEU NA MINHA PRODUTIVIDADE?

"O aumento dos custos que tivemos ao longo destes últimos dez anos não foi acompanhado por um aumento de produtividade ... Segundo um estudo recente do Banco Central Europeu, os custos unitários do trabalho aumentaram mais 24% que na Alemanha, e mais 13% do que a média dos países europeus ... Não havendo desvalorização da moeda, impõe-se reduzir os factores de custo, neste caso por redução dos salários reais"
V. Bento, Visão 5/11 Março.
.
A produtividade é um conceito frequentemente baralhativo : a maior produção pode corresponder menor produtividade relativa, por exemplo. Ao tema, já dediquei vários apontamentos neste caderno, e uma das razões para esta minha persistência reside na insistência com que a falta de produtividade é considerada culpada do nosso atraso económico e social colectivo. A tamanha acusação não corresponde, contudo, uma explicitação capaz de a tornar consequente. Falta-nos produtividade? Não deve ser comigo, que trabalho que me desunho, pensará certamente a generalidade dos portugueses.
V. Bento, na sequência de outras intervenções (de que dei conta de algumas aqui no Aliás) promete para Maio um livro acerca da ratoeira da dívida externa em que caiu a economia portuguesa, da qual, segundo VB só se sai reduzindo os salários (hipótese de saída mais rápida) ou reduzindo-se os salários em consequência do aumento de desemprego (hipótese de saída mais lenta). Silva Lopes tem uma perspectiva semelhante, ainda que menos drástica
.
Há quem concorde com o diagnóstico (a dívida externa vai acabar por asfixiar a economia portuguesa) mas não com a terapêutica. A redução dos salários não é solução; a solução está na redução da despesa pública e dos grandes investimentos de modo a que o financiamento sustente as pequenas e médias empresas, aquelas que garantem a maioria dos empregos e a produção de bens e serviços transaccionáveis.
.
De que lado está razão? Provavelmente, dos dois: o aumento da competitividade da economia portuguesa a curto e médio prazo, condição para o reequilíbrio da balança externa, impõe uma redução do custo dos factores, e sobretudo do factor trabalho, mas a actividade daqueles que poderão assegurar o aumento das exportações terá de ter um apoio financeiro preferencial.
.
Quanto à produtividade, algumas questões deverão ser colocadas e respondidas para poderem ser localizados os pontos de apoio das alavancas que a poderão fazer subir.
Uma delas, por exemplo, é esta: Em sentido contrário aquele que S Lopes e V Bento defendem, o governo aumenta o funcionalismo público este ano em 2,9%. Como a riqueza que vai ser criada sofrerá uma contracção, se tudo o mais se mantiver constante, o aumento da produtividade no sector público (sensivelmente idêntico ao aumento dos salários da função pública) implicará uma redução da produtividade do sector privado sensivelmente em medida idêntica. E, forçosamente, uma redução idêntica dos salários se se quiser manter o nível de produtividade global. O aumento de produtividade exigirá uma redução de salários no sector privado ainda maior. Os aumentos da função pública, se não decorrem de um aumento da riqueza global que alargue a matéria tributável, implicarão um aumento da carga fiscal imediato, ou mediato se for financiado através do aumento da dívida pública.
.
A conclusão parecerá estranha. Acontece que essa estranheza decorre, precisamente, da falta de confrontação entre as políticas salariais nos sectores público e privado e das consequências que as disparidades entre elas implicam na produtividade, e na competitividade, da economia portuguesa. Mais estranho é que ninguém fale disto abertamente.
--------

7 comments:

A Chata said...

A explicação final (encontrado no Blasfemias):

http://www.youtube.com/watch?v=CmGTnveyG7E

Rui Fonseca said...

Obrigado por me recordar este youtube 5 estrelas.

Suponho ter inserido no Aliás, há já largos meses, uma versão com subtítulos em espanhol. Numa análise rápida, não a encontrei.

Volto a inseri-lo porque vale, sem dúvida, a repetição. Se existe.

Luciano Machado said...

Mais uma vez a produtividade...
Cro Rui
Li o artigo publicado na Visão onde se anuncia para Maio o livro, que se espera polémico, de Vitor Bento. Lembra-te que este tema já tinha sido abordado "cientificamente" na conferência do BP de 2006 pelo Prof. Blanchard que concluía da necessidade de redução global dos salários em 30%.
Eu fico estupefacto com estas propostas cujo contributo me parece totalmente irrelevante dada a sua inexequibilidade num contexto democratico.
Ests "artistas" quando falam de produtividade referem-se sobretudo aos custos unitários do trabalho, que numa economia em mudança, como a portuguesa, devem ser analisados com algum cuidado.
É claro que se se quiser deixar tudo na mesma, à falta da arma secreta da desvalorização, a única forma de manter as relações de troca é diminuir o custo do trabalho. Ou seja, em ultima analise, poderiamos continuar a produção de trigo no Alentejo com as mondadeiras e ceifeiras a receber salários dos anos 50 do seculo passado. Não é?
A outra vertente que me parece a única possivel é conseguirmos forma de aumentar o output.
É um facto que o nosso crescimento tem estado associado sobretudo ao consumo externo e o contexto internacional de recessão ir-nos-á penalizar sobremaneira.
Se a isto juntássemos uma penalização no consumo interno resultante de uma baixa generalizada de salários não sei o que aconteceria.
Tu consegues antever?
Um abraço

Rui Fonseca said...

"Tu consegues antever?"

Caro Luciano,

Não consigo.

O que se sabe é que a dívida externa já ultrapassou o PIB e, a não acontecer uma desvalorização geral da moeda (também chamada inflação)não vejo que se possa continuar a viver à custa de empréstimos crescentes como até aqui.

Trichet disse hoje que a inversão do ciclo de crise está próxima, na Europa. Estará a pensar em quê?

Rui Fonseca said...

Luciano,

Volto para acrescentar ao que atrás referi que a saída inflacionista tem riscos que podem não ser contidos. P Samuelson refere na sua entrevista uma inflação moderada (fala em 8% ao fim de 3 anos, salvo erro).

O problema é conter a inflação dentro de limites aceitáveis ao crescimento económico. E de qualquer modo a subida dos juros iria reduzir fortmente os efeitos de uma desvalorização da dívida.

Já agora: Não contariaste a minha "tese" da transferência da produtividade em consequência dos aumentos da função pública quando o PIB decresce. Espero que não seje por concordares com ela.

Luciano Machado said...

O conceito de produtividade é, como dizes, frequentmente baralhativo. E eu acho que a tua abordagem ainda baralha mais.
Em termos macroeconómicos costuma aceitar-se como medida da produtividade a relação PIB/População Activa. Assim,
falar de produtividade de um determinado sector significa poder medir o seu output. No caso do sector público é falaciosa a afirmação de que um aumento de salários produz identico aumento no PIB: Se o aumento de gastos do estado não for acompanhado de aumento na produção é o saldo externo que vai pagar a factura ou seja o PIB não se altera nem se pode dizer que por alteração das parcelas se possa concluir por transferência de produtividades.Nao será?
Espero não ter vindo a baralhar ainda mais.
Um abraço

Rui Fonseca said...

"Se o aumento de gastos do estado não for acompanhado de aumento na produção é o saldo externo que vai pagar a factura ou seja o PIB não se altera...Não será?"

Evidentemente que o PIB não se altera nem eu disse isso. No caso do PIB não se alterar, ou mesmo se reduzir, como é, muito provavelmente, o caso deste ano, a produtividade global reduz-se, partindo do princípio que o emprego não se reduz ainda mais.

Ora se a função pública recebe melhores remunerações em ano de recessão, superiores à inflação, há uma "transferência estatística" da produtividade do sector privado para o sector público. Digo "transferência estatística" porque o facto de aumentar as remunerações não aumenta, realmente, a produtividade. Mas, em termos estatísticos, que são os que contam quando se fazem análises de evolução da produtividade, há uma "deslocação" de produtividade a favor dos que conseguem maior apropriação em desfavor dos outros.

Quanto ao facto de ser o endividamento externo a pagar, quem pagará sempre a conta final serão os contribuintes. Se não fosse assim, não haveria problemas nem crises. Aliás, o nó górdio está aí já: o endividamento externo não vai poder continuar ao ritmo a que cresceu até aqui.

Não?

Numa outra perspectiva, durante muitos anos os bancos sugaram muitos dos lucros, com que remuneraram os gestores e deram boleias aos principais accionistas, às empresas não financeiras.

Diziam que os lucros se justificavam por grandes aumentos de produtividade mas eu tenho as maiores dúvidas que a produtividade tenha crescido assim tanto com uma agência bancária em cada canto de cada rua.

Agora são os chamado monopólios naturais (a EDP) por exemplo, que apresenta lucros record. Pudera, não tem concorrência!

É tudo aumento de produtividade? Não é. É transferência dela.

Que te parece?