Wednesday, February 11, 2009

A DOENÇA DA NAÇÃO

... «Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de conivências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade» …. (Clara Ferreira Alves – O Expresso).

Como médico, licenciado há quase meio século, habituei-me a analisar as estruturas e instituições criadas pelo homem e a verificar se elas seguiam ou não as mesmas leis biológicas que regem todos os seres vivos. E tenho verificado que as nações, os estados e todos os sistemas e instituições desenvolvidas pelo homem, nascem, crescem, tem doenças ou uma vida saudável, e podem como qualquer ser vivo ter uma vida efémera ou uma vida longa. Exemplo disso é a recente pandémia do sistema financeiro mundial com múltiplos diagnósticos de eminentes sábios, mas ainda sem certezas no tratamento que levará à cura da doença.


Portugal também está doente. É uma doença crónica, arrastada, debilitante. Tem tido várias crises sucessivas de agravamento nos últimos vinte anos, e não temos visto nenhum período de melhorias significativas. De tal modo a doença é grave que há quem tema pela sobrevivência do doente. Só resiste ainda porque está numa espécie de sanatório, a União Europeia, em que se fecharam uma série de outros doentes com a mesma doença apenas para benefício óbvio e imediato para os sábios e doutores que tomaram conta "em nome do povo" do dito"sanatório"

Mas quais são afinal as causas de doença tão grave e prolongada?
O progressivo afastamento da sociedade civil do processo político é, quanto a mim, uma das principais razões. Provocado e induzido pelos próprios políticos, foi por eles agravado, cavando cada vez mais o fosso entre o poder político e o objecto desse mesmo poder, a população em geral, de que ele - o poder – deveria ser apenas uma emanação.
Este fenómeno corrói e põe em risco a própria democracia, pois afasta cada vez mais da decisão política, o verdadeiro detentor do poder em democracia que é o próprio cidadão. Por outro lado, abre a porta a regimes totalitários, ditaduras e extremismos de esquerda ou de direita. Como tal, todas as forças políticas realmente interessadas na manutenção do sistema democrático deveriam unir esforços para inverter a situação.

Por via democrática, têm-se instalado no poder formas camufladas de ditadura com todos os seus componentes e características: arrogância, arbitrariedade, nepotismo, intimidação e coação, todas elas sempre habilmente dissimuladas e justificadas pelo bem do povo.
Interessa pois analisar as razões do afastamento da sociedade civil do processo de decisão democrática e, com os exemplos colhidos noutros países, relançar a participação de cidadãos na decisão e processo políticos.

No meu ponto de vista, são estas em Portugal, as razões do distanciamento do cidadão comum:
1. O discurso político não é transparente, foge à verdade dos factos ou mente por vezes com a maior despudor, entra em contradições sem qualquer hesitação e considera implicitamente que o cidadão comum é atrasado mental, não tem cultura política nem capacidade de decisão para escolher o que mais lhe convém. É claro que o cidadão comum que só se interessa pelo futebol e cujo único objectivo na vida é ir beber umas "cervejolas" e esperar que o seu clube ganhe o próximo jogo, facilita muito esta visão do político. O problema é que o poder político também tomou conta do futebol, como meio de alienação da população e que muito brevemente, com despedimentos e desemprego à vista, o dinheiro não chegará para as"cervejolas" e até talvez para comer.
A recente declaração do Sr. Ministro das Finanças é um bom exemplo deste tipo de discurso ao afirmar que no pacote de apoio aos bancos em dificuldade, não saiu dinheiro dos contribuintes. Será que estão em causa fundos pessoais do Sr. Ministro? Terá o Ministério das Finanças um "saco azul"? Não serão os contribuintes directa ou indirectamente os únicos financiadores do aparelho do Estado?

2. Não há em Portugal responsabilidade política para os que mentem, erram ou falham na sua actividade ou discurso políticos. Não há sequer, responsabilização efectiva para os que desviam dinheiros públicos. Na China, para esses crimes, há pena de morte. Os nossos culpados, pelo contrário, vão para casa com reformas principescas e desculpas pelo incómodo!!!... Brandos costumes ou esquema de protecção à fraude organizada?

3. Devido ao colapso total do sistema de justiça, essa impunidade não só é política como também não é cível nem criminal. Exemplos entre outros: o julgamento "Casa Pia", o processo Fátima Felgueiras, o caso Freeport, etc.… Cada vez mais, o poder político procura controlar a justiça: chegou-se ao ponto de alterar leis para resolver casos específicos com efeito retroactivo!!!
…«A justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca» (Clara Ferreira Alves – O Expresso).

4. A corrupção invadiu totalmente todo o sistema político, quer a nível central, quer a nível autárquico; os políticos que procuraram combater a doença (João Cravinho por exemplo), foram afastados para exílios dourados. Os políticos perderam completamente a cultura de "servir a Rex pública" tão cara a Salazar e passaram a uma cultura de "exploração da Rex pública".

5. O sistema partidário interpõe entre o eleitor e o eleito uma estrutura intermédia que afastou ainda mais a sociedade civil da política. Dividiu os cidadãos em duas categorias, os que beneficiam do sistema por via partidária, e os outros que apenas são lembrados de quatro em quatro anos, e aliciados então – o que é cada vez mais difícil! – a depositar o seu voto.
A abstenção é cada vez maior porque o cidadão comum tomou consciência de que a sua capacidade de intervenção na vida política é nula, e pior do que isso, que o seu voto vai ajudar a manter um sistema que o afasta totalmente da decisão.

6. As estruturas da produção, por razões obscuras e invocando sempre o bem do povo, foram a pouco e pouco, desmanteladas e é cada vez menor o seu peso numa economia em desaceleração agravada de ano para ano:
- A agricultura foi reduzida, via subsídios, a um estado vegetativo e as boas terras passam progressivamente para as mãos de empresários espanhóis que triunfam onde nós tínhamos falhado.
- As pescas, cada vez mais limitadas por quotas mal negociadas, vêem o seu melhor pescado ir directamente para Espanha e Itália, engordando intermediários e deixando cada vez mais pobres os nossos pescadores e armadores.
- A marinha mercante desapareceu apesar de condições geográficas ideais para criar uma frota de bandeira como a da Grécia ou o do Panamá. A indústria de docagem, de reparação e construção naval que foram extremamente activas, estão praticamente extintas.
- A indústria, fragilizada por uma lei do trabalho obsoleta que protege o mau trabalhador e penaliza o produtivo, perde a cada dia, a sua capacidade concorrencial no exterior e vai ter a sua prova de fogo com esta crise para a qual não está preparada.

7. Os sistemas de formação e enquadramento social foram a pouco e pouco, perdendo independência e eficiência, transformados em mecanismos controlados pelo poder político:
- Em Educação, apesar da resistência dos professores, procura-se instalar um sistema de controlo político que possa promover os amigos e calar os dissidentes. Para levar avante as reformas, não se hesita em usar a intimidação e a coacção. Em consequência destas guerras, a eficiência e qualidade do ensino têm caído a pique.
- Na Saúde, temos assistido ao desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e houve mesmo ministros a exercer o papel de facilitador de transferência de competências para as estruturas privadas de saúde dos grandes grupos económicos.

É obvio que o sector público e o sector privado devem coexistir em sã concorrência. Mas o caso do Ministro da Saúde que era funcionário de um grupo económico a defender no cargo os interesses desse grupo para onde regressaria, não é apenas um conflito de interesses, é um conluio despudorado. Como pode o cidadão comum acreditar nos políticos?

- Na Segurança social, por razões políticas eleitoralistas, foram introduzidos no sistema, como beneficiários, pessoas que nunca tinham contribuído com um tostão. A saúde já frágil deste sistema tem ainda sido afectada quando verbas da Segurança Social são usadas para tapar buracos financeiros do Governo. As verbas recolhidas para os Fundos de Pensões nem sempre têm sido aplicadas em fundos viáveis e seguros. A Segurança Social, sob a bandeira do "Estado Providência", tem sido um instrumento de captação de voto fácil e criou uma classe de indivíduos que exploram o sistema cronicamente sem para ele dar qualquer contributo ou esforço. São exemplo disso o "rendimento mínimo garantido" e a "taxa de reinserção social".
As pessoas que trabalham e descontam impostos mensalmente são cada vez menos e são cada vez mais os que não trabalham ou, trabalhando no mercado paralelo, exploram impunemente o sistema.

- Diagnóstico:
O cidadão comum tem de todos estes males uma visão nebulosa e não analítica. Recolhe dos factos apenas uma sensação de mal-estar cada vez mais generalizada e profunda. Tem má memória e perdeu congenitamente a capacidade de reagir. Há no português uma atitude de "vitimação crónica", uma incapacidade instalada de reagir às adversidades, de encontrar soluções alternativas. Uma mentalidade de "fado", de "destino" contra o qual não se pode lutar, leva á aceitação de todas as prepotências e injustiças.

- Terapêuticas:
Feito o diagnóstico da "doença" será que é possível combatê-la, limitar os seus estragos e fazer uma terapêutica se não curativa pelo menos paliativa? Será possível ainda regenerar esta sociedade, esta nação doente???
I – O primeiro passo é desmascarar publicamente a injustiça da situação, fazer com que a nação compreenda o logro em que caiu com o sistema político vigente.
II – É preciso criar uma vaga de fundo de participação cívica, de intervenção política de cidadão comum. Para tal julgo necessário:
- promover e desenvolver uma cultura e práticas de voluntariado de acção social.
- transformar esse movimento cívico num movimento de militância de direitos cívicos e de afirmação social.
- transforma-lo por sua vez num movimento de militância de afirmação e intervenção políticas.

Este é um caminho longo mas como disse o Presidente Obama: «NÓS PODEMOS MUDAR».
III – Temos que começar por punir publicamente pelo afastamento, os políticos que mentem, os políticos que erram, os políticos que exploram o poder em vez de servir ou procurar o bem comum.

Conclusão:
Uma nação mais exigente com os seus políticos, mais participativa no processo político e mais solidária com todos os que participam na procura do bem comum, será sem dúvida:
Uma nação mais saudável,
Uma nação mais alegre,
Uma nação com um maior capital de Esperança para as gerações futuras.

Jacinto Gonçalves
Médico
Fevereiro de 2009


2 comments:

Rui Fonseca said...

Meu Bom Amigo,

Seja bem vindo a este espaço de reflexão descomprometida.

Fico a aguardar o seu próximo diagnóstico à Nação e a conveniente terapêutica.

Pela minha parte, como pode constatar por aquilo que tenho escrito nestes últimos tempos, prevejo um Verão muito complicado para a economia portuguesa num ambiente político onde a demagogia
vai, muito provavelmente, soprar de todos os quadrantes.

Poderá a nossa condição de membro da UE conter o descalabro total?
Espero que sim.

João Vaz said...

As pessoas devem sair do conforto dos seus sofás e dedicar-se mais à causa pública, com partido ou sem ele.
Caso contrário, serão sempre os mesmos a ditar o país que somos e não queremos ser.