Saturday, December 13, 2008

O EURO E A CRISE

A não-crise do Euro
Barry Eichengreen

A crise financeira global deu vida nova a velhos argumentos sobre o iminente desaparecimento do euro. Esses argumentos invocam frequentemente Milton Friedman que, em 1998, avisou que o compromisso da Europa com o euro seria posto à prova com a primeira crise económica séria. Uma tal crise está agora a ocorrer, mas os resultados têm sido exactamente o oposto do que Friedman previu. O desemprego está a aumentar - e com ele a atitude populista. Em países como a Itália, a sofrer já com a concorrência chinesa, e a Espanha, que experimenta um rebentamento maciço do sector imobiliário, a aflição vai ser tremenda. Todavia nenhum destes países dá qualquer mostra de pretender abandonar o euro. Eles compreendem que o mais leve rumor sobre essa possibilidade pode criar pânico nos investidores. Vêem como países como a Dinamarca que mantiveram a sua moeda própria se viram obrigados a aumentar as taxas de juro para defender as suas taxas de câmbio quando a Reserva Federal norte-americana e o Banco Central Europeu (BCE) estão a baixar as taxas de juro. Vêem como, se continuassem a existir liras ou pesetas, se estaria a verificar fuga de capital. Compreendem que teriam de enfrentar uma crise de uma moeda desactualizada na pior altura possível. Agrada-lhes que exista segurança e estabilidade nos números. Do mesmo modo, o cenário de colapso do euro, no qual esses países pressionam, com êxito, o BCE a inflacionar, obrigando a Alemanha a abandonar o euro, não tem mostrado sinais de desenvolvimento. O BCE, protegido por independência legal e com poderes para manter os preços estáveis, não revelou qualquer tendência para ceder às pressões do Presidente francês Nicolas Sarkozy nem de qualquer outro. Poderá dizer-se que o pior ainda está para vir - que vai haver mais inflação e mais desemprego no futuro - e que, quando isso acontecer, a zona euro vai sucumbir. É um argumento com que os cépticos do euro sempre avançam. Mas, dados os acontecimentos recentes, são neste momento eles quem possui o ónus da prova. O que nem Friedman nem ninguém previa em 1998 era que a primeira crise grave a seguir ao advento do euro coincidisse com a mãe de todas as crises financeiras. A agitação de investidores em pânico exigiu que os bancos centrais efectuassem operações sem precedentes de empréstimo de último recurso. Vastos prejuízos nos créditos exigiram dispendiosas operações de recapitalização da banca. Houve quem previsse que os governos levados até ao limite pela crise financeira talvez respondessem abandonando o euro. Podiam recorrer a uma inflação fiscal e injectar a moeda nacional para repor a liquidez dos seus sistemas bancários e dos seus mercados financeiros. Na verdade, foi precisamente a contrário. O BCE proveu de quantias quase ilimitadas de liquidez os sistemas financeiros da zona euro. Tornou-se menos rígido o Pacto de Estabilidade e Crescimento para aumentar a capacidade dos governos pedirem empréstimos para recapitalizar os seus bancos. E foram precisamente os países europeus fora da zona euro, que continuam a manter a sua moeda própria, que sofreram os maiores revezes. Como as suas moedas não são largamente usadas a nível internacional, muitos dos seus passivos são em euros. Isso torna-os dependentes dos aumentos das taxas de juro para atrair - via mercado e operações de "swap" do BCE - a liquidez em euros de que os seus bancos precisam desesperadamente. Até ao momento, esses "swap" têm-se verificado, mas com atraso e carga política. As implicações são claras. Os sistemas bancários nacionais precisam de emprestador de último recurso. Em países pequenos, onde uma parte significativa dos passivos é na moeda de outro país qualquer, o banco central nacional não tem essa capacidade. As suas únicas opções são aplicar formas draconianas de controlo ao sistema bancário ou juntar-se à zona euro. Dada a dificuldade de fazer andar para trás o relógio financeiro e as restrições do Mercado Único, é óbvia a direcção que os países europeus vão tomar. Já se está a verificar uma mudança na opinião pública em relação à adopção do euro na Dinamarca e na Suécia. A Polónia reiterou o seu compromisso em adoptar o euro. A Hungria, devido ao trauma provocado por um programa do FMI, fará certamente o mesmo. É evidente que a crise vai, em termos económicos e financeiros, ser um desafio para a Europa de Leste. Vai aumentar a dificuldade em satisfazer os critérios de convergência para adopção do euro. Mas vai também aumentar a vontade de ser bem sucedido. Então, a consequência vai ser uma zona euro mais alargada, não mais apertada, há medida que cada vez mais países estão conscientes disso. Na realidade, já se detectam sinais de países que nem sequer estão na União Europeia, nomeadamente a Islândia e a Suíça, a considerarem a hipótese de acesso como um passo no sentido de adoptar o euro e resolverem o seu dilema financeiro. A excepção é provavelmente a Inglaterra, cuja moeda é utilizada internacionalmente como legado histórico. Em todo o caso, a Inglaterra sempre teve um pé dentro da Europa e outro fora. É pois possível que a Europa, a longo prazo, venha a ter duas moedas: o euro e a libra esterlina. Mas três, e muito menos três dúzias, está fora de questão.
* Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade de Berkeley, Califórnia. Project Syndicate/PÚBLICO

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