Thursday, December 04, 2008

NEO-PÓS

Cinco professores universitários (J F Amaral - ISEG, M Branco - Évora, S Mendonça - ISCTE, C Pimenta - Porto, J Reis - Coimbra) assinam um artigo publicado ontem no Público - A Ciência económica vai nua? - onde, resumidamente, concluem que "a teoria económica dominante (entendo liberal ou neo-liberal) é profundamente insensível à realidade" ... e ..."esta crise é um colapso teórico, uma falência de um modo de ver. A má teoria é um elemento central da crise". Estranhamente, os autores do referido artigo assacam responsabilidades pela divulgação e propagação da má teoria aos manuais e aos editores, parecendo querer ignorar que os editores publicam o que uns professores escrevem e outros professores prescrevem.
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"É urgente", alertam os cinco professores, que "a academia tire da sombra as abordagens neo-pós-keynesianas, evolucionistas e institucionalistas - um portfólio de perspectivas para lidar com o mundo económico complexo, muldimensional e persistentemente surpreendente" reconhecendo que "algumas editoras têm procurado reflectir a procura por maior pluralismo no ensino da Economia".
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Sendo conciso, o artigo está muito longe de ser preciso.
Desde logo, parecendo dirigirem-se aos seus pares (é urgente que a academia...), os cinco professores publicam um artigo cujo alcance num jornal diário generalista atinge sobretudo uns milhares de leitores que ficarão extremamente confusos acerca da honorabilidade da profissão dos professores de uma ciência (ou pseudo ciência, segundo se depreende deles) onde predomina a má teoria, causadora da crise que nos angustia a todos. Ou a boa teoria também existe, e eles ensinam a boa teoria, mas não encontram professores que a recomendem e editores que a divulguem, e o artigo é uma acusação pública contra os seus péssimos pares? Há manuais desesperados nas gavetas à espera de publicação que teriam evitado a crise? Não me parece.
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Quando os cinco professores recordam que Adam Smith apenas uma vez se refere à mão invisível em A Riqueza das Nações e que, para além desta sua obra fundadora, escreveu outro grande livro: "A Teoria dos Sentimentos Morais", parece poder depreender-se que aos neo-pós-keynesianos não preocupa tanto a teoria dominante mas a má utilização que foi feito dela. O seu discurso, contudo, navega depois para enunciações vagas que não deixam perceber ao leitor comum onde querem chegar. Percebe-los-ão na academia?
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Perceberão eles que "Ganha peso a convicção de que os comportamentos eonómicos, em vez de serem o resultado óbvio de respostas a incentivos, são sempre comportamentos limitados, provisoriamente ajustados às circunstâncias e os contextos. Quer dizer, são comportamentos humanos" ?
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Quando a explicação desta crise é dada pela remunerações exponenciais que foram dadas à venda arriscada de crédito e à montagem e distribuição de produtos financeiros tóxicos sobre aquela venda desenfreada, o que é que funcionou: os incentivos ou aos comportamentos humanos ajustados às circunstâncias? Que teoria, má ou boa, andou por ali?
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O amigo banana, que não leu a "Teoria dos Sentimentos Morais" e só sabe de filosofia popular, diria que a ocasião faz o ladrão. As circunstâncias suscitam incentivos nem sempre recomendáveis. Estes casos podem suscitar uma abordagem de (boa) teoria económica mas é, sobretudo urgente que intervenha a polícia e a justiça.

5 comments:

aix said...

Rui,é sempre com muito interesse que leio os teus posts. Gostei também deste, que não comento por os meus conhecimentos em matéria de economia serem primários mas chegarem para saber que devo respeitar o princípio de Smith da divisão do trabalho e, como tal, meter-me só naquilo de que devo saber alguma coisa. Mas como perguntar não ofende gostaria de saber qual o critério para se saber se uma teoria económica é boa ou má(e quem diz teoria diz moeda, como disse o outro).Não foi o Hegel(um complicado dos diabos)que disse "se a minha teoria não condiz com a realidade tanto pior para a realidade"?

Rui Fonseca said...

Meu Caro Francisco,

Segundo os cinco professores, autores do artigo que comento neste post, a teoria predominante, que eu suponho ser o liberalismo, e o neo-liberalismo sobretudo, a má teoria, porque é ela a causa da crise que atravessa o mundo.

Do meu ponto de vista, a crise financeira actual, que ameaça cada vez mais a esfera económica, começa com acções que nada têm a ver com teorias mas com o aproveitamento que muitos fizeram, com larguíssimo proveito próprio, da desregulamentação dos mercados.

Não podemos ignorar que subjacente a essa desregulamentação está uma filosofia ultraliberal que alguns arvoram como bandeira para o assalto e saque que realizaram.

Mas essa prática de assalto observou-se também em regimes totalitários, onde o liberalismo era de todo em todo desconhecido.

Não tomou a Nomenclatura soviética conta do aparelho e colocou este ao seu serviço exclusivo levando ao desmoronamento do sistema?

O que há de comum entre ambas as situações? O saque.

A válvula de escape num sistema não totalitário é a possibilidade de fazer funcionar a Justiça.

Esperemos que funcione.

aix said...

Caro Rui, desculpa voltar à vaca fria:
1º-dos AA que comentas os que eu conheço não navegam propriamente nas águas das teorias liberais(as más).
2º-se, como dizes, a culpa da crise é da desregulamentação dos mercados no sitema liberal então no sistema planificado é do excesso de regulamentação. Segue-se que qualquer sistema seria bom se:
- o liberal regulamentasse mais
- o planificado regulamentasse menos.
Só que o verdadeiro problema é o da natureza humana: como conciliar as liberdades individuais com as necessidades colectivas. E a natureza humana ou é (fixistas) ou vai sendo(marxistas). No fundo é a concepção aristotélica do homem como “ser social”.

Rui Fonseca said...

Caro Francisco,

Eu não disse que os autores eram liberais ou que andassem por lá perto. O que eu suponho é que eles ao criticarem a "má teoria", ainda que não a nomeiem (e é estranho que não o façam) se referem às teorias liberais e neo-liberais que fizeram carreira depois dos sucessos (aparentes ou não) da Escola de Chicago com M Friedman à cabeça.

O meu ponto de vista é que não há sistema que resista à imoralidade humana. O assalto e o saque não é um acto exclusivo em ambiente liberal. Se o fosse, não teria implodido o socialismo real na União Soviética minado nos alicerces pela nomenclatura que se apoderou de todos os privilégios.

Só conheço dois sistemas, com diversas variantes: a ditadura e a democracia. E só em democracia pode garantidamente a justiça velar pela contenção dos instintos imorais do homem.

O que coloca o recurso à questão moral. Não sendo pacífica a resposta há pelo menos uma afirmação, a este respeito, que me parece consensual: é imoral ludibriar terceiros.
E a crise é fruto de um cacho de ludíbrios:

Primeiro - Forçaram vendas de imóveis, promovendo a especulação imobiliária e retirando colossais proveitos.

Segundo - Confeccionaram produtos financeiros de alto risco e venderam-nos para toda a parte. Ganharam fortunas os criadores e os distribuidores. Com as receitas das vendas destes produtos exacerbaram a especulação imobiliária e bolsista.

Quando o mercado chegou a um ponto de saturação (as árvores não crescem até aos céus) deu-se a implosão do cacho. E no dia em que as pessoas que tinham comprado as casas as entregaram, ou porque não tinham meios para as pagar ou porque elas tinham baixado de preço, e os compradores dos produtos quiseram de volta o seu dinheiro...não havia dinheiro.

Os bancos, tão confiantes entre si enquanto todos se encheram escandalosamente, passaram a desconfiar uns dos outros. O sistema emperrou e os Estados tiveram de socorrer o "sistema".

Culpa do sistema? Culpa das má teorias? Uma ova!
Culpa deles!

Se lhes dermos a possibilidade de imputarem as culpas ao "sistema" ou às "más teorias" ficam ilibados.

É esta desculpabilização que, implicitamente, os professores fazem que me revolta.

aix said...

«Se lhes dermos a possibilidade de imputarem as culpas ao "sistema" ou às "más teorias" ficam ilibados.»
Acordo total: justiça com eles. Até porque não há tribunais para os sistemas; um homicida de favela não deixará de ser condenado ao invocar que a culpa foi do sistema.
-«E só em democracia pode garantidamente a justiça velar pela contenção dos instintos imorais do homem». Não há evidência histórica: os crimes económicos individuais têm punições muito mais severas nos regimes de propriedade colectiva.(Não infiras que são a minha opção).
-«O que coloca o recurso à questão moral».Certo:e se a moral é uma emanação da força, do poder, como defendia Nietszche («Genealogia da Moral»)?
Donde se infere: és um realista; sou um idealista utópico.