Monday, December 29, 2008

A ÁGUA E O CAPOTE

Caro Amigo

Marinho Pinto é mesmo assim: Dá umas no cravo e outras na ferradura, quando não faz ao contrário.
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Ninguém pode discordar dele quando afirma que há dois pesos e duas medidas no julgamento de crimes em Portugal. Segundo ele, e eu acredito, 97% dos presos são pessoas pobres; os crimes de colarinho branco regra geral ficam impunes. Também não se pode deixar de concordar com ele quando afirma que os offshores são muitas vezes criados para cometer crimes e o segredo bancário para os camuflar.
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Já é menos consistente quando pergunta, afirmando, "pelos vistos, nenhum banco pode ir à falência". E ainda menos quando compara os bancos com as restantes actividades económicas não financeiras. É evidente que os bancos também podem ir à falência. O problema são as consequências, os chamados efeitos sistémicos, sobre o resto do sistema e da economia em geral.
A questão que deve colocar-se é outra: Se os bancos não podem ir à falência que requisitos deve a sociedade impor aos bancos para lhes assegurar a solvabilidade e a liquidez perenes.
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A questão dos offshores é complicada porque a sua extinção não depende apenas da decisão tomada por um país ou por um restrito número deles, ainda que o conjunto dos maiores mercados financeiros pudesse, se quisesse, impor regras radicais na matéria.
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Enquanto tal não acontece, poderia avançar-se para meio caminho: Impor a separação dos bancos entre os que utilizassem offshores e os que decidissem colocar-se fora da rede. Tal como na lei do tabaco: espaços para fumadores e não fumadores.
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Mas há um ponto onde a minha discordância com MP, e todos os que pensam como ele, é total, e que se refere à incapacidade congénita da Justiça para punir os prevaricadores. Diz MP que a solução não está no sistema judiciário mas no sistema político. O que é preciso é uma discussão acerca destes assuntos, diz ele.
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Tudo conversa fiada, porque é sobejamente conhecida a arteriosclerose de que a justiça está atacada. O que é preciso, urgentemente, para salvar a democracia é operar a justiça removendo-lhe os tecidos lesados.
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Se esta crise teve múltiplas causas, o crime generalizado de abuso de confiança potenciou-lhe os efeitos. O problema que MP detecta, mas não sabe de onde lhe cai, ao que parece, é outro: enquanto o mundo tecnológico e da informação avançou exponencialmente nas últimas décadas o aparelho judiciário quase parou no tempo. Assim sendo, só prende os pequenos infractores, aqueles que não dispõem de meios que lhes permitam escapar-se em lanchas voadoras.
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As caricatas situações a que a justiça se presta, e que são frequentes em Portugal, demonstram à saciedade que os seus agentes estão impreparados para fazerem o que devem numa sociedade cada vez mais complexa.
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Os cidadãos que esperam que a justiça se faça não podem, não devem, aceitar as escusas de MPinto ou de outro MP qualquer em realizar aquilo para que existem, e são pagos.

2 comments:

João Vaz said...

Parabéns pela lucidez e capacidade de análise. Um abraço e que continue a escrever em 2009 com esta pujança.

Rui Fonseca said...

Obrigado João.

Um óptimo 2009 para vós.

Um abraço