Sunday, May 11, 2008

O QUE É SER COMUNISTA, HOJE

Há dias, íamos com um casal amigo a caminho do Teatro Aberto, onde está em cena Rock ´N´Roll e, influenciado pelos resultados de uma sondagem recente que aponta para um reforço da posição do PS, que lhe garantiria nova maioria absoluta, a recuperação do PCP e o crescimento do BE, à custa das perdas do PSD e do CDS, perguntei ao meu Amigo, ex-comunista, o que sucederia se o PCP e BE conseguissem, um dia destes, alcançar a maioria na AR. O meu Amigo pareceu-me não ter muitas dúvidas em responder que, coerentemente, o PCP nacionalizaria grande parte da economia, repondo umo cenário que teria muitas semelhanças com aquele que se montou em Portugal na sequência de 11 de Março de 1975. Mas, rematou ele, não acredito que isso seja possível. O PCP e o BE são, vocacional e irremediavelmente, partidos de oposição.
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Nenhum de nós conhecia a temática da peça que íamos ver e que, muito a propósito, descasca essa cebola que provoca irritação a quem andou em tempos nas suas camadas. E é a propósito dessa pertinente impertinência de Rock ´N´Roll que é de algum modo esclarecedor saber o que é ser comunista, hoje, segundo as perspectivas de alguns que mantêm nas fileiras do partido e de outros que procuraram outras ou se enrolaram no limbo da saudade dos tempos em que lhes contaram histórias de encantar.
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Do programa de Rock ´N´Roll retiro algumas respostas à questão, incómoda para os comunistas que ainda assim se consideram por serem membros do único partido sobrevivente com esse nome na Europa: O que é ser comunista, hoje?
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"Ser comunista, hoje, é lutar contra a injustiça social; é acreditar no fim do Estado; é querer o fim da luta de classes; é acreditar na igualdade entre todos; é querer o fim da exploração da humanidade; é acabar com a propriedade. (...) Mas nada disto pode ser separado da democracia. Porque não se pode ver a flloresta sem ver as árvores, todas e cada uma." - São José Almeida Jornal Público, 7/11/2007
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"Ser comunista é ser do partido" - Rubem de Carvalho e Urbano Tavares Rodrigues
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"Hoje só se pode ser comunista a partir de uma rejeição profunda do que foi a herança do comunismo na URSS, que foi um projecto conspurcado, uma tragédia.(...) Só em democracia se pode ser comunista. Defendo a organização da sociedade com liberdade de expressão, liberdade sindical. A censura é incompatível com a liberdade" - Francisco Louçã
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Jerónimo de Sousa não quis falar sobre o que é ser comunista hoje.
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"Comunismo implica democracia, mas não a democracia que temos hoje. É mais. Ser comunista tem de ser compatível com o feminismo, com a igualdade de género"- Maria Teresa Horta
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"Sou comunista no sentido em que aspiro a uma sociedade sem Estado e onde os conflitos entre os seres humanos não sejam arbitrados de uma forma estatal" - Miguel Portas
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"Hoje, faz sentido sentido ser comunista porque os ideólogos ainda não inventaran uma coisa mais interessante . (...) A cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas capacidades. Para mim, o principal é o fim da propriedade" - Eduarda Dionísio
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"Depois de 1990, o comunismo deve discutir o poder não centralizado, que rompa com a prática vanguardista centralizada. A política tem de ser comum, contra a vanguarda. Comunismo deixa de ser um projecto histórico, en quanto poder" - Zé Neves, historiador, com tese de doutoramento sobre "Comunismo e Nacionalismo em Portugal no sec xx.
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"(...) Diz-se que a União Soviética e o Leste foram comunistas, é mentira, nunca houve países comunistas (...) Quando se vê académicos dizerem que Marx está morto, é porem um rótulo de ignorância na sua própria testa. Quando não é só por ignorância, é terrorismo ideológico feito com desonestidade intelectual" - Freitas Branco

Todas estas posições e contradições resume-as Tom Stoppard em Rock´N´Roll no papel do velho professor Max, militante comunista que acaba por passar à condição de ex-comunista desiludido e ideologicamente desamparado mas irremediavelmente apegado à sua crença de sempre.

Porque a ideologia sustenta-se numa crença inabalável e esta, como qualquer outra não se sustenta em terreno em que possa ser posta em causa o seu último desígnio: criar um homem diferente para as utopias que os profetas desenharam. E se, como diz Max, devem ser também creditados à ideologia a evolução da sociedade num sentido mais justo, quando ela é acossada pelas evidências tenebrosas a que deu lugar, ( "pelo menos não há, na Europa, crianças de oito anos nas minas a empurrar vagonetas" diz Rubem de Carvalho), é bom lembrar que é esse também ao argumento invocado pelas religiões em geral. E a questão que se coloca, então, é bem mais incómoda para os comunistas, porque foram precisamente as sociedades que não viveram o comunismo real aquelas onde a dignidade humana alcançou padrões mais elevados: Moldam-se os padrões cívicos consoante os catecismos ou a evolução das sociedades no sentido da consagração de princípios de maior dignidade é consequência da evolução natural da pessoa humana?

Até prova em contrário os catecismos não apresentaram até hoje balanços positivos.

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