Saturday, May 31, 2008

IRREMEDIAVELMENTE POBRES

J M Júdice na sua coluna semanal do Público escrevia ontem que a desigualdade social é inevitável porque o valor do trabalho vai baixar a nível mundial e o valor do capital vai subir. Os muito ricos ficarão mais ricos e os pobres mais pobres. "É por isso que deve ser censurado o artigo de Mário Soares, que foi escrito no exercício legítimo à incoerência e como expressão pletórica da liberdade de expressão (...) E é espantoso que o eleitoralismo tenha levado Manuela Ferreira Leite na mesma direcção."
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Mário Soares, por natureza impenitente oposicionista, cavalgou entusiasmado a onda de espanto serôdio desencadeada pelo relatório da União Europeia que atribui a Portugal o maior índice de desigualdade social entre os seus membros. A leitura dos relatórios, segundo consta, nunca entusiasmou Mário Soares, de modo que os seus "avisos de amigo" nem tiveram em conta o período a que se referiam as estatísticas nem traziam apensas quaisquer sugestões para remediar o incómodo. Aliás, Mário Soares, quando que lhe foram dados votos para governar, colocou o socialismo na gaveta não deixando pistas de políticas de igualização social aos seus continuadores. Frei Tomás, que parece não ter primado por aquilo que fez, ficou pelo menos na história por aquilo que disse que devia ser feito. Mário Soares, nem isso.
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Não é, contudo, contra a falta de propostas de Mário Soares que se indigna Júdice. A Júdice o que o incomoda é o discurso demagógico, segundo Júdice, de Mário Soares e Manuela Ferreira Leite. Porque, segundo Júdice, existem meios de redução dos níveis de pobreza e da desigualdade social mas são inexequíveis. Os pobres do mundo, e de Portugal em particular, estão, segundo Júdice, condenados a empobrecer e os ricos a enriquecer.
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Eis a confortável perspectiva de um rico.
Que não conhece, pelos vistos, o velho aviso de que quando os ricos não tratam dos pobres acabarão os pobres por tratar dos ricos.

11 comments:

A Chata said...

Acho que tem toda a razão.
Os Júdices deste mundo que comecem a fabricar brioches ou a História, como é habitual, vai repetir-se. E, desta vez, os pobres são MUITO mais numerosos...

Rui Fonseca said...

Porque é que há tanto tempo não coloca um post no seu blog?

Blogar descontrai a mente e é um razoável exercício para as meninges.
Eu blogo para respirar, pouco me importa que alguém assista ao exercício.

Vá lá: volte ao seu blog!

A Chata said...

As loucuras deste Mundo sucedem-se a um ritmo tal que desisti de as registar, não havia blog que chegasse nem dedos que sobrevivessem à tarefa.
Para ser franca, às vezes, preferia que as minhas meninges se atrofiassem completamente para não perceber o futuro que nos espera e outras vezes penso que, se calhar, já atrofiaram e não me dei conta disso.

aix said...

A validade, o interesse, a justeza e até o nº de seus leitores não se mede pelo nº de comentários. Quem os mantém é porque acredita no que lá põe. Em relação ao caso não interpretei a leitura do «rico» Júdice como um fatalismo social, mas antes como uma crítica ao sistema, cuja homeostase só se conseguirá através de um equilíbrio entre «ricos» e «pobres» mantido pela chamada «classe média»

Rui Fonseca said...

Aix,

Obrigado pelo seu comentário. Aprecio sobretudo os comentários que discordam do que escrevo. Com a discordância podemos aprender sempre alguma coisa.

Também eu não acredito numa sociedade igualitária mas penso que não é sustentável um mundo cada vez mais desigual.

Júdice, depreendi, pensa que a desigualdade não só é inevitável como é inevitavelmente crescente.

E é quanto a este último ponto que discordo completamente. Júdice teve a sorte de nascer rico e é, provavelmente, um dos advogados mais bem pagos deste país. Estarão os rendimentos de Júdice sujeitos à tributação que esses rendimentos deveriam pagar para que vivêssemos numa sociedade menos desigual?

No seu texto Júdice indica a tributação dos mais ricos como forma de minorar a condição dos mais pobres para depois escrever que essa medida seria insuficiente e, portanto, não exequível.

Falacioso, não acha?

A Chata said...

Parece-me que se estão a esquecer de um pormenor.
A população mundial continua a aumentar (apesar dos lamentos das baixas taxas de natalidade). Somos 6 biliões e tal e continuamos em crescendo.

Creio que este é um factor importante a considerar e que normalmente é negado ou esquecido.

O fosso entre ricos e pobres aumentou mas, o número de pobres aumenta, todos os dias, muito mais.

Se juntarmos a isto a subida do preço dos bens alimentares e o problema da escassez crescente de água potável em muitas regiões do planeta tenho a sensação que uma reforma de tributação fiscal não será suficiente...

Já agora,
Se o "Vá lá: volte ao seu blog" era, como se costuma dizer, uma corrida em osso, esqueceu-se que o meu nick é A Chata.
Quanto à preocupação com comentários ou estrelas deixo isso para os Arrojas do burgo.

Rui Fonseca said...

Pelo amor de Deus não me interprete mal! Não indiquei o seu nick name porque não creio que o seja. É sempre um prazer ler os seus comentários.

Quanto a incentivá-la a escrever no seu blog não tome isso por outra intenção qualquer. Não seria correcto nem sequer pertinente da minha parte.

Relativamente ao aumento populacional é verdade que o crescimento demográfico é, em alguns casos, causa de decréscimo de condições mínimas de vida.

Mas não é uma fatalidade nem creio que Malthus tenha voltado a ter razão. Existem hoje meios e recursos no mundo mais que suficientes para alimentar toda a gente. O que falta é vontade suficiente muitas vezes para fazer chegar esses recursos e meios onde eles são necessários.

Há um número interessante que deixo para sua reflexão: Segundo cálculos do economista Thomas Sowell, se o estado do Texas fosse divido em parcelas de 400 metros quadrados e construida uma casa em cada lote e em cada casa uma família com 4 membros caberia no Texas toda a população actual do mundo.

O mundo é pequeno mas não é assim tanto.

João Vaz said...

Há uma inverdade implícita muito difundida: os pobres estão mais pobres. Não é verdade. Os pobres estão muito mais ricos do que há 20 anos atrás, mas os ricos estão mais ricos numa proporção ainda maior. Daí as diferenças terem aumentado.

A Chata said...

rui
Apesar de considerar que o problema não é o espaço fisico (se bem que na India até me deu essa sensação) mas, os recursos básicos (alimentação e água potável) e a distribuição dos mesmos.
No entanto, resolvi considerar as tais contas do Sowell.
O estado do Texas tem 692405 Km2.
A população Mundial é de 6 mil milhões e tal (e continua a crescer).
Para facilitar as contas, 4 pessoas em 400 m2 daria 1 pessoa por 100m2.
Logo 692405000/100 = 6924050

Estou a fazer asneira nas contas?


João Miguel
"Os pobres estão muito mais ricos do que há 20 anos atrás,"

Fala-se muito dos milhõezitos da China e da India que estão menos pobres e que animam as estatiticas mas, que tambem contribuem para uma pressão maior sobre os recursos alimentares.

Considera realmente que as populaçoes da Europa e USA, por exemplo, estão menos pobres?
Ou estarão é muito mais endividadas?


Considera que as manifestações que tem havido por causa do preço dos e, nalguns casos, da escassez de alimentos mostram populações menos pobres?

Os pobres contam-se aos biliões e os ricos aos milhares e se esta distribuição se mantiver considero que haverá cada vez mais pobres e muito mais pobres.

Rui Fonseca said...
This comment has been removed by the author.
Rui Fonseca said...

Cara Achata:

Quando citei aquela comparação que li algures foi apenas para dar uma ideia que o mundo não é assim tão pequeno que não possam nele caberem e viverem felizes mais muitos milhões de pessoas.

Não conferi as contas. Mas tomando os seus números, vejamos: Os tais "692 405 km2" são equivalentes a
"692405000000 m2" . Dividindo por 100 temos "6924050000" habitantes, um valor superior aos 6,5 mil milhões estimados pela União Europeia recentemente.


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Caro João,

Se considerarmos os níveis de pobreza em termos absolutos, o que dizes é maioritariamente verdade.

Hoje a percentagem da população mundial que vive (?) com menos de 1dólar por dia (valor equivalente de poder compra) é menor do que aquele que vivia em idênticas circunstâncias há cinquenta anos atrás.

Há, contudo, lamentavelmente zonas do globo, nomeadamente em África, onde o efeito da maré nos barcos ancorados não se fez sentir ainda. Continuam tão pobres, senão mais, que os seus avós. Temos, lamentavelmente, frequentemente imagens que levam a nossas casas os horrores da fome a que estão sujeitos milhões de seres humanos.
Apesar da evolução científica e tecnológica, a fome é ainda a "doença" que mais mata.

Em termos relativos, aquele que mede os níveis de pobreza de uma sociedade relativamente aos rendimentos médios da mesma sociedade, a evolução tem-se traduzido em crescente desigualdade social em muitos países. Nos EUA, por exemplo.

Se a tua observação se reporta a Portugal, concordo inteiramente contigo se considerarmos um período de 20 anos. Para um período mais recente, parece que há dúvidas, pelo menos.