Friday, December 21, 2007

ACERCA DA SIMETRIA IMORAL

Interiorizou-se entre nós, portugueses, a convicção bondosa da nossa congénita brandura de costumes, que tanto se salienta na nossa mansidão colectiva como no perdão em série: faz lá uma patifariazita (não temos vocação para coisas grandes, a não ser quando medidas a metro ou ao quilo, tipo feijoada do tamanho da ponte Vasco da Gama ou a árvore de Natal mais alta da Europa) e deixa-me fazer outra.

Faz como Frei Tomás!
E, inevitavelmente, uma discussão acerca do que faz Frei Tomás fulaniza e relega as ideias do frei para as urtigas.
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No Bússola (do Norte) Manuel Queirós num "post" que titulou Bem prega Saldanha Sanches o blogger desanca no ficalista pela sua falta de autoridade moral para escrever sobre o que diz saber: denunciou a corrupção autárquica mas, ele próprio é relapso porque infringiu a lei do segredo de justiça ao informar o seu amigo Ferro Rodrigues que o nome dele constava do caso Casa Pia.
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Esta apreciação crítica a Saldanha Sanches no caso Ferro Rodrigues versus caso denúncia das conivências e relações perversas entre muitos autarcas, o futebol, a construção civil, e muitas outras que só eles sabem, está enviesada pela apetência muito tipicamente portuguesa para a simetria imoral: Olha quem fala!, e não se passa nada.
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No caso deste "post", ao autor não parece importar se Saldanha Sanches denunciou, bem ou mal, os lamaçais autárquicos ou se o fez sem fundamento caindo na alçada da lei. Se bem me recordo, na altura, o presidente da associação de municípios contorceu-se, mas desconheço se passou desse tique. E como a banalização dos casos adormece a consciência pública, não voltou a falar-se do assunto.
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No caso Ferro Rodrigues, o que o autor aborda não é ilegalidade no abuso do segredo de justiça a favor de quem deveria pugnar pelo respeito pela lei mas a eventual duplicidade de comportamento moral do visado.
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Conclusão de Imposição Moral: Se és um tratante uma vez, estás impedido de ser digno no futuro, uma vez que seja.
Corolário: Como não há ninguém moralmente puro, tratantes! perdoemo-nos uns aos outros!
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Um cidadão faz afirmações genéricas acerca da falta de probidade de muitos autarcas, sem identificar nomes. O cidadão em causa não é um fulano qualquer. Tem acesso aos meios de comunicação social com mais audiência, é professor de direito.
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Eu, como muitos cidadãos que não têm acesso ao palco nem fazem por isso, ouço frequentemente notícias de rombos nos cofres públicos por parte daqueles que lhes podem deitar a mão.Se há um fulano que, na televisão e nos jornais, diz que há muitos casos em que me foram ao bolso, não me interessa discutir o fulano, interessa-me é que seja provado ou não provado o que ele afirma. Pelos vistos, ninguém se quis dar a esse incómodo.
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Quanto ao argueiro no olho, se ele o tem pouco me importa. Discutamos o que ele disse num caso e noutro. E que seja responsabilizado. Mas não se desvalorize o que disse num caso por conta do que disse noutro.
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A invocação da autoridade moral do sujeito é respeitável mas não deve impedir a dicussão do objecto.
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É também o abuso da simetria imoral que leva os sucessivos governos a engeitarem responsabilidades invocando os fracassos dos seus antecessores, numa discussão interminável acerca do passado para fugir à discussão do futuro.

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