Saturday, October 20, 2007

PARABÓLICA

A propósito do Tratado de Lisboa tenho sintonizado diversos canais da blogosfera e é, sem surpresa, que constato que uma grande parte deles, não digo a maioria porque não os sintonizei todos, alinha pela crítica à ausência de discussão pública dos termos do tratado e, muito significativamente, reclamam a realização do referendo. E digo muito significativamente porque a blogosfera é de natureza contestária e sem referendo lá se vai (se for) uma riquíssima oportunidade por água abaixo. O Tratado seria, sem dúvida, mãe para todas as discussões à excepção da discussão do próprio, que supõe um domínio do seu articulado que a esmagadora maioria dos cidadãos não tem nem está interessado em ter.
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Ontem fiz zapping para O Cachimbo de Magritte , post Parábola dos Cegos e pesquei de lá:
A cegueira continental dos burocratas que governam a Europa está resumida na frase que o Público atribui hoje a Jean-Claude Juncker, Primeiro-Ministro do Luxemburgo: "Haverá um acordo [sobre o novo tratado europeu] em Lisboa porque tem de haver um acordo em Lisboa".
Alguém me explica porque é que tem de haver um acordo?
que motivou a seguinte troca de argumentos:
RF - disse...
Se o acordo tinha de ser obtido em Lisboa ou não, pode ser discutível. De qualquer modo a actual configuração da União Europeia exige um contrato, a que chamam Tratado, para poder funcionar.Se esse funcionamento é necessário ou não, depende do ponto de vista do observador. Para mim é, que me confesso europeísta convicto.Convicto de que Portugal tem muitíssimo mais a ganhar do que a perder com a sua adesão à UE.Porque aí é que está o cerne da questão: Queremos ou não queremos ser membros da UE? Esse, sim, é talvez o referendo que falta.Sim ou sopas.Quanto à discussão dos termos do Tratado V. já leu as suas 152 páginas? Acha viável a discussão de um texto tão hermético na praça pública?Meu caro, foi por estas e por outras que os homens inventaram a democracia representativa. Há muitos anos já.
PP - disse...
Ou seja, Rui Fonseca, como o tratado é muito hermético e tem 152 páginas não pode ser submetido a referendo porque o povo, coitado, é um pouco estúpido. Acho que o dr. Salazar também tinha esta ideia de democracia representativa.
RF - disse...
P Picoito,V. diz:
"Acho que o dr. Salazar também tinha esta ideia de democracia representativa."
Não acredito que v. ache isso. Porque v. sabe muito bem que Salazar do que fugia a sete pés não era da democracia representativa mas da democracia, qualquer que fosse o seu modo de expressão.E é neste seu achar confundindo que está a intenção (que julgo propositada da sua parte) demagógica dos que vêm no referendo uma forma de manifestação da vontade do povo por excelência.Porque o referendo, como v. muito sabe, não é uma forma de democracia representativa. Para os que, demagogicamente, clamam por um referendo a este Tratado, altamente complexo na sua formulação intrincadamente jurídica , só o referendo pode recolher a expressão genuína da vontade popular.Ora não é nada disso. Alto e bom som diga-se que, em matérias como estas, o referendo é uma oportunidade a que se agarram os grupos políticos para a chicana permanente e é, portanto, altamente antidemocrático.E antidemocrático porque, precisamente, pretende encostar a democracia representativa para o lugar das instituições não democráticas, assumindo-se como único meio legítimo de expressão do voto e lançando achas para a fogueira do populismo.Não é. Serviria sobretudo para discutir tudo menos o Tratado.
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Há dias, a 13 deste mês, perguntavauma jornalista a uma peregrina em Fátima, o que achava ela do discurso do Papa que acabava de ser transmitido: Olhe, respondeu ela, não percebi nada, mas acho que falou bem, muito bem mesmo.Seria assim o referendo acerca do Tratado.
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Pergunte-se, em referendo, se queremos ou não continuar a ser membro da União Europeia. Essa sim, seria uma pergunta que não daria lugar a grandes derivas demagógicas.

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