Saturday, August 18, 2007

SEMENTEIRA URBANA

Percorre-se o país pelas estradas secundárias, e a sensação é, quase sempre, a de atravessarmos
uma sementeira urbana caótica e, frequentemente, de mau gosto. O português habitou-se, desde há muito, a semear casas onde lhe dá na real gana, resolvendo alguns obstáculos camarários com empenhos e outros incentivos. O resultado está à vista. No Algarve, mas também em outras zonas onde o frenezim armado de cimento é alimentado pela sugestão turística, os núcleos antigos das cidades (com uma ou outra excepção) estão completamente mascarados, as falésias ultrajadas, as dunas rompidas em todos os sentidos.
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Passei hoje pela praia de Mira. Para além de um ou outro empreendimento bem estruturado, de um ou outro projecto razoavelmente conseguido, a maior parte do que se vê é mau.
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Dir-se-á que gostos não se discutem, e se eu não gosto haverá quem goste. O que é verdade, se não não estariam aquelas coisas ali.
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É indiscutível, contudo, que o nível de literacia em Portugal está, no contexto da união europeia a 27, bastante abaixo da média. É natural, portanto, que o índice cultural dos portugueses ande também aquém do desejável e o sentido estético deixe muito a desejar. É sempre possível descortinar um analfabeto com um sentido estético inato que ultrapassa o de muitos licenciados.
Mas essas são as excepções necessárias à regra.
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Quem poderá ajudar a alterar esta tendência generalizada para o abarracamento? As Câmaras, obviamente. Acontece que são as Câmaras que têm consentido estes desmandos sem que, até agora, ninguém tenha conseguido (não sei se alguém terá tentado) alinhar o rumo com um mínimo de bom gosto e respeito pela natureza.
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Ouve-se muitas acusações às Câmaras e sempre a pressurosa posição da Associação Portuguesa de Municípios a defender, corporativamente, os seus membros. Não se tem notícia, contudo, de conferências por si promovidas, abertas à sociedade em nome das quais e para as quias governam, que permitam debater as falhas que frequentemente lhes são apontadas em matéria de carência de bom senso e bom gosto. Nem é esperável que venham a acontecer.
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As aberrações urbanas não afectam apenas o valor das coisas aberrantes, porque projectam a sua menos valia a todo o espaço vizinho, na realidade a todo o espaço do território português através de uma marca de desprestígio que prejudica todos.
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Uma Associação Portuguesa de Defesa dos Munícipes, precisa-se. Porque os gostos devem discutir-se.

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