Sunday, May 20, 2007

OS PORTUGUESES - Segundo os algarismos (3)

O pós 25 de Abril foi celebrado e reclamado com diversas palavras de ordem. Uma delas, talvez a que melhor resumia os desejos mais intensos dos portugueses pedia "paz, pão, saúde, habitação!". Era um caderno reivindicativo mínimo num contexto revolucionário à nossa moda.
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33 anos depois, se os algarismos dessem uma fotografia fiel da felicidade, os portugueses deveriam considerar-se dos povos mais felizes do mundo, se a felicidade se medir pela distância que vai entre os desejos e a sua satisfação. Mas continuam cabisbaixos.
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Os números valem o que valem, e as estatísticas pintam-se frequentemente em "tromp d´oeil".
Com alguma atenção, contudo, podem ler-se algumas conclusões pertinentes, se as fontes são fiáveis. No âmbito das Nações Unidas, nasceu há alguns anos o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O Relatório Anual, para além de análises temáticas que abrangem toda a humanidade, é um repositório de estatísticas, com bastante solidez, que procuram fotografar as condições de vida nos bairros em que vivemos nesta aldeia global em que se transformou o mundo.
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Do Relatório de 2006 (o relatório de 2007 deve ser editado em Setembro) retirei alguns dados que dão uma perspectiva do posicionamento de Portugal no mundo, avaliado pelo "Índice de Desenvolvimento Humano" (HDI, na terminologia inglesa), um indicador resultante de outros que se presumem caracterizar o nível de desenvolvimento relativo económico e social dos povos.
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Da sua análise conclui-se, sem grandes reservas, que o caderno reivindicatico apresentado ao 25 de Abril se encontra, em termos médios, bastante bem satisfeito. Portugal não pode queixar-se, hoje, do seu posicionamento relativo quanto aos pontos reclamados: A guerra não nos perturba, a não ser como espectadores das guerras que os media transmitem quase em directo, os portugueses alimentam-se bem e bebem do melhor, os serviços de saúde garantem-lhes esperança de vida à nascença que, conjugada com o decréscimo observado nas taxas de natalidade, está a tornar-se num dos países com mais idosos do mundo, o número de habitações excede em cerca de 33% o número de famílias. Quanto a automóveis, na Europa, segundo o Eurostat (vd. post anterior sobre este assunto) apenas luxemburgueses e italianos têm mais viaturas que nós.
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Segundo o Relatório PNUD de 1999, os portugueses situavam-se no segundo lugar como consumidores de calorias por dia per capita, em 1996 (3658) cedendo apenas o primeiro lugar para a Dinamarca com 3808 calorias por dia, uma posição que não tinha antecedentes antes do 25 de Abril: em 1970 o consumo diário de calorias era, em Portugal, de 2850, valor que nos colocava em posição bem modesta. Quanto ao consumo de proteínas por dia per capita em Portugal, em 1996, o valor de 112 gramas colocava-nos em segundo lugar, neste caso a seguir à França.
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É pela educação que, segundo os Relatórios do PNUD, Portugal cai nos rankings. Por outro lado, é geralmente reconhecido que é na falta de resposta da Justiça que reside, em grande parte, a nossa incapacidade para ultrapassar muitos problemas da sociedade em que vivemos. Mas a verdade é que nem a educação nem a justiça faziam parte do caderno reivindicativo apresentado ao 25 de Abril. E, sintomaticamente, a educação e a justiça continuam ausentes das reivindicações nos dias que correm: da educação porque poucos querem saber, a maioria quer passar; na justiça porque só os mais fracos se subordinam a ela.
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Portugal ocupa no ranking do Índice de Desenvolvimento do PNUD a 29ª. posição, classificação esta atribuida em função da sua posição relativa quanto a quatro indicadores: esperança de vida à nascença, literacia da população adulta, índice composto da frequência no ensino primário, secundário e médio, produto nacional bruto per capita.
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A esperança de vida em Portugal era, em 2004, de 77,5 anos (todos os dados do relatório de 2006 se reportam ao ano de 2004) , valor que contribuia para um índice de desenvolvimento humano (HDI) de 0,904 a que correspondia a 29ª. posição, como se disse, de um ranking liderado pela Noruega com um valor de 0,965. No mesmo ano, os EUA, que ocupavam o 8º. lugar com um HDI de 0,948, tinham uma esperança de vida igual à dos portugueses (77,5 anos).
No Japão (7º. do ranking), a esperança de vida à nascença apresentava o valor mais elevado de 82,2 anos; na Espanha (19º.) - 79,7 anos; Cuba (50º.) - 77,6.
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Já em termos de literacia da população adulta, Portugal apresentava um valor de 92%, que nos envergonha colectivamente, e que nos compara muito mal, por exemplo, com Cuba -99,8% (50º. do ranking), Grécia- 96%(24º do ranking) , Coreia do Sul - 98% (26º.), Estónia - 99,8% (40º), Lituânia - 99,6% (41º.), Eslováquia - 100% (42º.), Croácia - 98,1% (44º.), Letónia - 99,7% (45º). Cito a Espanha e a Grécia, a primeira por razões de vizinhança geográfica, a segunda por vizinhança no ranking, algumas repúblicas saídas do bloco soviético e Cuba, por permanecer fiel a Fidel. E ainda a Coreia do Sul, um caso emblemático do desenvolvimento no sudeste asiático.
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Por outro lado, se compararmos os indicadores quanto à frequência nos diferentes graus de ensino, Portugal não vai além de 89%, que fica muito aquèm dos 99,8% na Estónia, 99,6% na Lituânia, 100% na Eslovénia, 98% na Croácia, 99,7% na Letónia, 99,8% em Cuba, 98% na Coreia.
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É por demais óbvio que, se a educação não promove, só por si, o desenvolvimento (se assim fosse o bloco comunista não teria implodido) também é verdade que, em condições de liberdade de pensamento e empresa, a educação é a força determinante para o andamento do combóio do progresso. É com as vantagens de um nível de educação muito mais elevado que o nosso que as repúblicas saídas da asfixia colectivista se apresentam na União Europeia com trunfos capazes de nos relegar da cauda da lista a 15 para a cauda da lista a 27.
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É da educação e da justiça que deveríamos primordialmente preocupar-nos em Portugal. Afirmação que, de tão banal, promete continuar a sê-lo.

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