Friday, April 20, 2007

A MAIS

Ninguém gosta, obviamente, de ser considerado a mais. Estás a mais!, é o insulto supremo porque remete para o subconsciente, onde moram as nossos medos e as nossas angústias, o encontro com a anulação da existência. Mesmo aqueles que voluntariamente decidem excluir-se de um grupo sentem a afronta se ela se antecipa. Também ninguém gosta de ser confrontado com acusação, ou simples constatação feita por terceiros, de que tem meios a mais ao seu dispor.
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Ontem, ouvi através da rádio reacções indignadas do Chefe do Estado Maior do Exército relativamente a uma notícia do dia segundo a qual o Ministro da Defesa teria dito que os meios ao dispor do exército eram excessivos e iria propor plano de adequação às necessidades actuais. Onde o ministro terá subentendido meios em instalações imóveis o jornalista terá entendido meios humanos, e daí a indignação do senhor general que, logo ali, garantiu aos microfones da rádio de que o ministro se comprometera com ele a clarificar o equívoco. Não há meios humanos nenhuns a mais! sentenciou, sem deixar margens ao ministro. Quanto ao resto, se sobram imóveis, falta equipamento, alvos dentro do prazo de validade, por exemplo, que não se esgueirem às miras e se deixem abater: ainda há dias resultaram frustrados os exercícios porque os alvos eram velhos e sabidos, os tiros não davam com eles. De modo que, mesmo no negócio de meios materiais, o general só aceita troca por troca.
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O que se passa com o exército, passa-se com a justiça, com a economia, com a agricultura, com todas as áreas onde o Estado, isto é, todos nós, tem folhas de salários a pagar e fornecedores ávidos de encomendas. Em todas há famílias que não podem prescindir do vencimento mensal ou da facturação, alguns de subsídios, muitas vezes por razões de sobrevivência. Dizer-lhes que alguns estão a mais é, para os eventuais atingidos, entendido como uma afronta e uma ameaça extrema.
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Há algumas semanas atrás, Luís Campos e Cunha escrevia no Público, sob o título "Liberal em Portugal" um artigo que concluía que "o Ministério da Economia devia apenas apoiar a "marca Portugal" e não sectores específicos (...) ficando reduzido a umas escassas dezenas de pessoas (qualificadas e bem pagas) que avaliavam resultados e estabaleciam objectivos. Ora isso não justificaria um ministério e muito menos um ministro. Exigir tal programa é pedir que a "máquina" se suicide mas as máquinas não se suicidam, antes pelo contrário, se as deixarem reproduzem-se e engordam".
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Ainda que se admita que há algum exagero na proposta de Luís Campos e Cunha não podemos, por outro lado, deixar de admitir forte exagero nas palavras do general. Há, geralmente, nas abordagens destes assuntos alguns exageros de apreciação ou de defesa de interesses próprios. No caso da defesa, não compete aos generais definir a política do país para esta área, mas compete-lhe dimensionar os meios para a execução das missões que lhe forem cometidas decorrentes daquela política, e esta está longe de ser conhecida dos portugueses. Portugal gasta com as suas forças armadas uma parcela da riqueza que produz muito acima da média europeia. A invocação irritada do general de que não dispõe de meios a mais só faria sentido se as missões que tem de desempenhar exigissem os meios actuais, pelo menos. Ora não é plausível que Portugal tenha, no contexto de defesa em que se insere, de despender mais que a maioria dos seus parceiros europeus.
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É imprecindível, portanto, uma política de redefinição do perímetro de atribuições do Estado que deveria mobilizar toda a classe política portuguesa e interessar todos os portugueses. O Estado em Portugal, quando não é considerado excessivo é, pelo menos, reconhecidamente ineficiente em muitas áreas, sobretudo naquelas que normalmente integram o arco do "estado mínimo". Menos Estado e melhor Estado, resume uma proposta muito generalizada, mas que não tem passado disso.
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A intervenção explícita do Presidente da República no sentido de congregar todos os partidos no sentido de consensualizar, tanto quanto possível, o âmbito do Estado, é condição fundamental para aumentar a sua eficiência. E seria a forma também mais conveniente de pacificamente promover a adequação dos meios aos objectivos do Estado sem que uma grande parte dos seus servidores fosse sentida a mais.
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Muitos (nomedamente os sindicatos) reagem às propostas de redução da intervenção do Estado com a invocação de que em outros países (os nórdicos, por exemplo) o Estado está mais presente e a economia funciona melhor. Mas a comparação de meios não compara os resultados, e estes é que determinam as possibilidades de melhores condições de vida. À menor produtividade dos meios corresponderá sempre uma constatação do seu excesso, gerando um círculo negativo onde haverá sempre cada vez mais gente que é sentida a mais.

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