Saturday, December 09, 2006

ESTADO, EGOÍSMO E COBARDIA

Comentario a dois "post" de Pedro Arroja: " O espirito publico" e "Uma certa cobardia" em
Blasfémias,

Suponho que aquilo em que estarei em desacordo consigo pode ser traduzido numa ligeira alteração do título deste comentário. As suas reflexões encaminham-se, a meu ver, para uma síntese ligando o Estado ao egoísmo e cobardia por dois pontos, e não por uma vírgula:

ESTADO: EGOÍSMO E COBARDIA

Que o déspota recompensa o cobarde e a cobardia germina o egoísmo não parece merecer discussão. Que uma sociedade de homens livres é, por natureza, mais solidária e mais ousada é corolário que não requer reticências.

Se estamos em desacordo é a partir daqui.

Desde logo porque o déspota inventou-se antes dos homens terem inventado o Estado. Na realidade, medidos pelo calendário os períodos em que o Estado era o déspota, porque nele se confundiam todos os interesses e privilégios, medem-se em milhares de anos, e o Estado não conta, quanto muito, senão umas centenas. Logo, se me permite, nem o egoísmo é inerente ao Estado nem o Estado é pai de gerações cobardes.

É bem verdade que V. começa por chamar o déspota à liça e só a rematar manda o Estado para o caldeiro. Dito de outro modo, V. começa por dizer que no pote vai meter um déspota e, esclarece depois, que ele se chama Estado quando é grande. Ou, se melhor entendi, a seguir um déspota inevitavelmente surge um Estado extensivo. E de que o egoísmo e a cobardia que o déspota amamentou vão crescer e abusar à sombra de um Estado sufocante, porque os atributos danados gravam-se no ADN social sem apelo nem agravo.

O que de todo não é aceitável nem comprovável.

Todas as sociedades modernas e livres emergiram de sociedades autocráticas e a liberdade saltou muitas vezes com mais expressão quando as liberdades se encontravam mais coarctadas.

O Estado, em si, não é uma realidade com capacidades volitivas. É uma entidade abstracta enquanto tal e só se denuncia através dos tutores que nós elegemos, quando vivemos em sociedades livres.

E aí é que está o cerne da questão: V. acusa o Estado para se ilibar a si e a nós todos como se o Estado que temos tenha sido nomeado pelos turcos, por exemplo. Concordará, contudo, que os turcos terão as suas razões de queixa, por culpa própria, eles também.

Porque, das duas uma: ou promovemos um Estado que seja o Estado que maioritariamente queremos em cada momento, e que evoluirá consoante aquilo que formos capazes de construir todos, ou estaremos implicitamente a orar pela vinda de um déspota. Porque, suponho, para lá da democracia fica a ditadura.

Se esse Estado deve ser mínimo, máximo ou aí pelo meio das contas, é assunto que deveria merecer mais atenção do que merece.

Por mim, e para já, dava-me por satisfeito que o nosso fosse mais pequeno. Porque o Estado pode ser castrador da capacidade de iniciativa e gerador de conluios e concomitantes privilégios. Mas a sua minimização, só por si, não garante uma sociedade de homens livres, altruístas e ousados, porque pode, pelo contrário, abrir o caminho à ascensão de novos déspotas.

Portugal encontra-se envolvido num processo histórico que aponta para a maior transformação política jamais observada na Europa. Geralmente as correntes neo-liberais dão as mãos aos movimentos mais conservadores na proclamação de que a União Europeia cerceia a liberdade dos seus cidadãos, não tem futuro e, se tiver, não augura nada de bom.
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Se construído em bases que fomentem a desagregação da autoridade dos diferentes Estados, o edifício desmoronar-se-á e campeará o racismo. A Europa vive em paz há cerca de 60 anos, mas nada garante, contudo, que, se abalados os alicerces da União, a guerra não possa emergir de novo. Foi para evitar esta ameaça que a ideia da União surgiu aos seus fundadores.


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