Monday, September 18, 2006

A ARTE DA FUGA

Troca de argumentos com António Amaral em A Arte da Fuga
, em sequência do post “Um Bem Civilizacional” e do meu comentário "Estalinismo Liberal", parafraseando um post do mesmo AA, titulado “Estalinismo Social”

UM BEM CIVILIZACIONAL

O primeiro-ministro diz que o actual sistema público e universal de Segurança Social é um bem civilizacional que devemos preservar.É um sistema feudal em que o fruto do trabalho das pessoas é arrestado pelo Estado, como penhor pela sua lealdade contributiva, e depois convertido em dependência, incerteza, interdependência, e medo. Um sistema de pirâmide, em que cada vez mais pessoas dependem de cada vez menos — as gerações "seguintes" —, obrigadas a aderir por "solidariedade intergeracional".Este é um sistema de servidão social; mas o primeiro-ministro diz que é um bem civilizacional que devemos preservar.


fonsecarui said...Nem tanto ao mar nem tanto à terra, era uma recomendação antiga que, suponho, não perdeu actualidade.O actual Sistema de Segurança Social gerido pelo Estado está inquinado, admitamo-lo sem reservas, de algumas (muitas, se quiserem) injustiças, não só intergeracionais mas também intrageracionais.Só aqueles que sofreram programação partidária podem negar as distorções de que o Sistema sofre.E de que é necessário corrigi-las. Parte delas poderão ser corrigidas durante o actual processo de revisão. Temo que fiquem de lado ainda algumas muito relevantes. A adopção de um sistema de gestão mista parece-me o mais conveniente.É assunto que me interessa bastante e sobre o qual tenho reflectido tanto quanto me permitem as informações que vou coleccionando.Mas negar que a solidariedade social, que é um vértice importante do Sistema de Segurança Social, é um bem civilizacional, só pode entender-se por parte de quem perfilha o recuo ao sistema primário e instintivo de salve-se quem puder.Por outro lado, e porque quem advoga o salve-se quem puder é, geralmente, jovem e nascido com razoáveis recuos, deve ter em conta que as interdependências intergeracionais não se resumem à Segurança Social.Aqueles que são tão entusiastas em brandir as bandeiras do liberalismo sem mais mas nem meio mas, pergunto:Quando os meus amigos nasceram o mundo tinha também acabado de nascer? Foi tudo obra vossa a construção que vos tornou hábeis e auto suficientes?Terça-feira, Setembro 12, 2006 1:12:58 PM

AA said...Caro fonsecarui,A "solidariedade social" pode ser considerada uma virtude, e a interpendência geracional é um facto da vida. Ainda bem que assim é, e que sentimos que não estamos sós no mundo.O que não é uma conquista civilizacional é haver um Estado que munge as pessoas para levar a cabo esquemas de dependência social, a que ao mais belo estilo newspeak designa "solidariedade" ou "segurança".A solidariedade não é vértice nenhum de um sistema de Segurança Social coercivo. Vértice é o poder cru de meter na cadeia quem discorde do modelo social "decidido" pelo "colectivo".É errado e violento que as pessoas sejam obrigadas a suportar e a serem suportadas por estranhos, alguns dos quais ainda não nasceram, e que nascerão num mundo que já olha para eles com ganância.Terça-feira, Setembro 12, 2006 1:30:18 PM


fonsecarui said...
"A solidariedade não é vértice nenhum de um sistema de Segurança Social coercivo. Vértice é o poder cru de meter na cadeia quem discorde do modelo social "decidido" pelo "colectivo".Oh António Costa Amaral de que é que estamos falar?Meter na cadeia?Explique lá isso bem porque se calhar enganei-me no número da porta ou o seu artigo reporta-se a uma qualquer história que desconheço."É errado e violento que as pessoas sejam obrigadas a suportar e a serem suportadas por estranhos, alguns dos quais ainda não nasceram, e que nascerão num mundo que já olha para eles com ganância."Cada vez estou mais baralhado. Preciso de explicador, tenha lá paciência. Por um lado, você admite que "A "solidariedade social" pode ser considerada uma virtude, e a interpendência geracional é um facto da vida. Ainda bem que assim é, e que sentimos que não estamos sós no mundo."Depois roda de perspectiva e clama o contrário. Em que ficamos?Terça-feira, Setembro 12, 2006 2:37:06 PM


AA said...Caro fonsecarui,1. Quem se recusar a cumprir as suas "obrigações" para a Segurança Social no limite é preso. O sistema é tão virtuoso que dispensa o arbítrio das pessoas.2. A solidariedade só é uma virtude se for voluntária, e aqui enquadra-se a "autosolidariedade", solidariedade familiar, a solidariedade "social". Numa a "solidariedade" forçada por lei.A "solidariedade social" promovida por decreto e força fiscal implica coação legal, ou seja, acção sob ameaça de violência legal. Não há nada de moral ou ético num processo de latrocínio legal...Terça-feira, Setembro 12, 2006 3:01:09 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Devo dizer-lhe que estou cada vez mais baralhado com os seus argumentos. Começa você por dizer:"1. Quem se recusar a cumprir as suas "obrigações" para a Segurança Social no limite é preso. O sistema é tão virtuoso que dispensa o arbítrio das pessoas."Tanto quanto julgo saber a pena de prisão só é aplicável no caso de uma situação fraudulenta. No caso, por exemplo, de o dinheiro retirado aos vencimentos dos empregados para entrega à Segurança Social ter sido desviado pelo empregador para aquisição de um Lamborguini.E mesmo assim não tenbho conhecimento que alguém já tenha sido preso nessas circunstâncias. Você conhece? Mas sabe que há em Portugal muitos Lamborguini sacados à conta alheia, não sabe?Depois você afirma:." A solidariedade só é uma virtude se for voluntária, e aqui enquadra-se a "autosolidariedade", solidariedade familiar, a solidariedade "social". Numa a "solidariedade" forçada por lei."Autosolidariedade, o que é? A solidariedade do indivíduo para com ele próprio? Faço esta dedução por afinidade de conceitos. A automedicação, por exemplo, sei o que é. Parece que não é recomendável.Solidariedade familiar: suponho que admite, portanto, que os pais sejam solidários para com os filhos e vice-versa. Vá lá, vá lá, porque nos tempos que correm já raramente é vice e, na maior parte dos casos, não é versa. Solidariedade social: quer dizer caridade? Acha que funciona? Onde?Nunca a solidariedade forçada por lei, diz depois você. Aqui temos o problema da obediência à lei e às regras democráticas. Se não se estima uma nem outras teremos o Estalinismo Liberal, não lhe parece? Ou há alguma coisa, para lá da democracia,que não se chame ditadura?Mesmo o latrocínio legal deve ser combatido e não contornado, não lhe parece?Terça-feira, Setembro 12, 2006 6:14:26 PM


AA said...Caro fonsecarui,Parece-me que entra num equívoco que importa deslindar sem demoras.O que é legal não é forçosamente legítimo. Qualquer coisa pode ser posto na lei, desde que não contradiga uma ordenação legal superior. E "qualquer coisa" inclui disposições que legalizem agressões de direitos individuais.A "solidariedade" obrigada por via legal é ilegítima, porque consiste no roubo do produto do trabalho de pessoas. Seja o Estado, Jesus Cristo ou Robin Hood, a isto chama-se roubo, com todas as letras. Ou latrocínio legal, uma possível tradução de "legal plunder" do texto de Bastiat que linkei.O "latrocínio legal", exercido pelo Estado na forma dolosa e continuada deve ser, sim senhor, combatido com todos os meios intelectuais e democráticos ao nosso dispor.Se há quem julgue que não sabe administrar a sua própria propriedade, não se arrogue a ceder os direitos dos outros, dando "legitimidade democrática" ao Estado para administrar toda a nossa propriedade.Do que escrevi acima, depreende-se que a democracia não é inerentemente virtuosa. Uma democracia pode constituir-se como "ditadura da maioria" se arrogar-se a graça de atropelar os direitos de uma minoria que seja. E a menor minoria é o indivíduo.Se uma maioria quer providenciar serviços de "segurança social" que o faça numa base de adesão voluntária dos seus contribuintes.Terça-feira, Setembro 12, 2006 6:32:22 PMAA said...Posto isto, não cabe ao Estado intervir nos outros "tipos" de solidariedade.- "autosolidariedade" é um termo irónico. Significa as pessoas tomarem conta delas próprias, em vez de o delegarem ao Estado;- "solidariedade familiar" diz respeito aos laços familiares, que o Estado destrói quando promove a "liberdade positiva" dos filhos não estarem dependentes dos pais e vice-versa, e os pais idosos do resto da família - tudo em deterimento das liberdades de todos;- "solidariedade social" sempre existiu, e reveste-se de muita formas; uma delas é a caridade; outra é fazer com que as pessoas sejam úteis e se sintam úteis.Quanto aos Lamborghinis, ganharia mais para si e para os seus concidadãos se se concentrasse em baixar as suas "contribuições" para o Monstro.A imposição às empresas de uma contribuição para a SS produz desemprego, precaridade, discriminação laboral. Tudo conseguido pelas boas intenções socialistas.Se fosse da responsabilidade de cada um providenciar pelo seu futuro, e pelo futuro de quem estima, não haveria empresas com poder de fazer esse tipo de desvios.Terça-feira, Setembro 12, 2006 7:06:21 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Não sou, talvez contrariamente ao que possa depreender do que referi, um defensor acrítico do Estado e da sua expansão constante, da sua omnipresença, e da sua sombra. Se tiver a pachorra de dar uma olhadela nas minhas palavras cruzadas, que vou embarcando num blog, dar-se-á conta disso. Mas como deixei dito nas primeiras linhas do meu comentário as posições radicais não conduzem a nada a não ser à tirania. É o que a História nos mostra, e a idade de alguns, como eu, já é suficiente para o ter comprovado e sofrido. A que regime aspira você? À redução do Estado à prestação dos serviços mínimos ou nem isso?À anarquia? Como sabe a anarquia é vizinha da ditadura, moram ambas no gaveto do totalitarismo, de costas voltadas, mas apesar de disso, vizinhas.Não concorda?Terça-feira, Setembro 12, 2006 10:14:20 PM


AA said...Caro fonsecarui,Parafraseando a lei de Godwin, quanto mais dura um debate sobre o liberalismo, maior é a probabilidade de alguém começar a falar em anarquia.O liberalismo que eu defendo é oposto, digo mais, é inimigo da "anarquia" como popularmente entendida. Eu defendo condições básicas da sociedade como o direito à propriedade privada, algo que é impossível sem uma Justiça a funcionar. O rule of law, base do princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei, é lei morta em regimes anárquicos. Assim como direitos individuais, onde não há definião de liberdades negativas. Adiante.Eu não defendo modelo nenhum para o Estado. Nenhum. Eu defendo um modelo para uma sociedade de indivíduos responsáveis, que o Estado estorve o mínimo possível. É com esse princípio em mente que eu defendo que o Estado deve ser "o necessário e suficiente". Se quer chamar isto "minarquismo" ("Estado mínimo"), esteja à vontade, não é assim que eu o entendo; ou como o defini acima.Sim, é uma posição "radical", no sentido em que defende que o indivíduo não deve estar sujeito a tirania de maiorias ou minorias. Que deve ser deixado em paz quando não agride os direitos de outrem. E que não tem o direito de roubar ou que roubem em seu nome. Um conjunto de princípios que se opõe ao comando de uns sobre os outros não conduz a tiranias, evita-as.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 1:05:06 PM


fonsecarui said...Caríssimo António Amaral,Pois não me parece que haja diferenças tão grandes de pontos de vista entre nós. Podemos discordar de outrem mas perceber os seus pontos de vista, resultando o nosso favorecimento pelo nosso de várias razões que não vêm ao caso.Mas neste caso subsiste um aspecto que não consigo perceber como é que o António Amaral (e outros vigorosos defensores do liberalismo tão extremo quanto a ameaça de anarquia consente)consegue deslindar:Em democracia é prevalecente a vontade das maiorias. Se não reconhece essa vontade (suponho que você diria essa ditadura)como é que pode aceitar a democracia?Volto a perguntar-lhe: Há alguma coisa para lá da democracia (vontade das maiorias) que não seja ditadura (vontade das minorias)?E já agora, se uma lei é ilegítima a quem compete avaliar essa ilegitimidade se não à maioria?Quarta-feira, Setembro 13, 2006 4:35:26 PM


AA said...Caro fonsecarui,Em democracia é prevalecente a vontade das maiorias. Se não reconhece essa vontade (suponho que você diria essa ditadura)como é que pode aceitar a democracia?Eu aceito a democracia liberal, na qual ninguém tem o direito (por muito democraticamente "legitimado" que seja) de atropelar direitos de outro indivíduo.The term "liberal" in "liberal democracy" does not imply that the government of such a democracy must follow the political ideology of liberalism. It is merely a reference to the fact that the initial framework for modern liberal democracy was created during the Age of Enlightenment by philosophers advocating liberty.Ou seja, a maioria pode fazer passar as leis que quiser, desde que respeite os direitos das minorias: a democracia é "boa" quando limitada. Uma democracia que perca as suas referências liberais está a meio caminho de se tornar uma ditadura.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 5:04:36 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Acho que estamos a chegar a uma conclusão: a democracia liberal é uma utopia, na medida em que aceita (o termo é seu) o governo das maiorias com respeito pelos direitos das minorias;Mas a compatibilização dos votos da maioria(a democracia expressa-se numericamente por votos)com as opções das minorias nem sempre é possível. Se, por exemplo, a maioria decidir autorizar a construção do aeroporto na OTA ( e não digo construir), opção de que discordo, como compatibilizar a decisão da maioria com o respeito à minha posição de dizer "não concordo"?Voltando ao tema inicial: Se a maioria aprovar um determinado sistema de Segurança Social com os votos contrários do BE, do PCP, e já agora dos Liberais, que compatibilização é possível entre as opções da maioria e os "direitos", aliás contraditórios neste caso, das minorias?Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:20:06 PM

AA said...Caro fonsecarui,Pelo facto de nem sempre ser possível compatibilizar interesses é que é preciso haver um sistema o mais isento possível, e esse sistema é o democrático.O que procurei explicar é que a democracia absoluta (veja-se Chavez) pode ser profundamente iliberal, e portanto contrária aos direitos das pessoas.O caso do aeroporto pode servir de exemplo. Quem discordar vai ter que pagar por esse elefante branco. Princípios colectivistas ou democráticos-absolutos dizem que tem de haver submissão à decisão legal, seja ela qual for.Princípios liberais exigem que se encontre uma solução o menos danosa possível.Por exemplo, o Estado podia encarregar-se das expropriações e deixar o mercado propor soluções, a serem pagas pelo princípio do utilizador-pagador (afinal diz o ministro que aquilo será auto-sustentável...)Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:49:13 PMAA said...No caso da SS, importa começar por esclarecer que não existe tal coisa como "direitos" contraditórios. Se implicam contradições, estão mal definidos.Eu tenho direito à minha propriedade. E ninguém tem "direito" de dispor da propriedade de outrem. Eu não tenho o direito de exigir de um concidadão uma contribuição forçada para a minha vida. Outro concidadão também não tem esse direito sobre mim. Claro que pela força do Estado, há quem tenha esse poder, mas não esse direito.Se o Bloco Central decidisse retirar metade da riqueza a metade da população e entregar à outra metade, não deixava de ser roubo. Um roubo legal, mas roubo. É por isso que a democracia tem de ser limitada.E sim, isso implica que há políticas que a bem dos direitos das pessoas, têm de ser off-limits.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:52:18 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,O Chavez não é um democrata, é um populista. Mas não vamos por aí. São outros caminhos. Voltemos ao aeroporto: Neste caso eu distingui, propositadamente, o investimento e, logicamente, as expropriações. Referi-me ao facto político em si de decidir construir o aeroporto e ali. Quer queira quer não, este acto político, só por si, está longe de merecer a unanimidade. Estranho seria que a merecesse. Talvez no país de Chavez...Ora, neste caso, o mais provável será a prevalência da maioria, a qual, necessariamente, contrariará as preferências (provavelmente contraditórias entre si) das minorias. Ora as minorias têm o direito a estar contra mas a partir do momento em que a decisão é tomada pela maioria legalmente estabelecida os direitos da maioria, quanto ao assunto, podem prolongar-se como contestação latente mas não subsistem enquanto direitos de intervenção na decisão tomada. Se subsistissem, por inerência de uma filosofia liberal como a que advoga, estaríamos perante "direitos contraditórios", que não existem, como referiu e eu concordo, em democracia. Quanto à questão da Segurança Social e do sagrado direito à propriedade gostaria de lhe referir duas questões:1 - O modelo de segurança social não pode ser totalmente optativo porque a solidariedade social, que dela decorre, é inerente a uma sociedade que tenha em conta as diferenças de oportunidades e capacidades dos seus membros. Mesmo em sociedades onde o liberalismo económico é mais avançado (caso dos EUA)existe a intervenção do Estado na garantia de mínimos de subsistência. Os EUA são, contudo, no âmbito da OCDE os que apresentam mais elevado nível de desigualdade social, andando, lamentavelmente, Portugal por lá perto.Visito, por razões familiares, os EUA, tenho grande admiração pelo povo americano, mas é um facto que nas desigualdades sociais se chocam os ovos do crime.É bom ter isto em conta.2- Quanto ao sacrossanto direito à propriedade já perdi há vários anos as minhas ilusõoes sobre isso. Podia dar-lhe vários exemplos, referir-lhe-ei um. O das casas abandonadas em Lisboa. Casas cuja função económica e social é nula e esteticamente são um desastre. São às centenas. E não falo das casas arruinadas, de rendas baixas. Falo-lhe de edifícios, alguns foram bem bonitos, que se encontram abandonados há anos e anos. Este abandono diz-nos respeito porque nos afecta a todos. As casa são dos donos mas a cidade é nossa, e essa está conspurcada de forma mais que lamentável.Não há, que eu conheça, uma situação comparável em países europeus. Porquê?Como é que os liberais resolvem o assunto. Dir-me-ão: como é que os não liberais o não resolveram até agora?Pois é. O liberalismo existe por aí ainda que os liberais digam o contrário.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 11:10:30 PM



AA said...Caro fonsecarui,1. O Chavez obviamente não é um democrata. Mas foi eleito democraticamente.É um bom exemplo porque num sistema de democracia absoluta, os governantes têm poder e "legitimidade popular" para fazerem o que queemr. Numa democraca propriamente limitada (como são as europeias, por exemplo, se bem que não tanto quanto eu gostaria), os populistas podem esbracejar o que quiserem, que não podem fazer estragos.2. A questão do aeroporto é interessante porque é um domínio (infraestruturas) que consideramos quase uniformemente fazer parte das competências do Estado.Mas os princípios são os mesmos para muitas outras actividades "empresariais" que o Estado empreende e que não precisava de monopolizar.As soluções "liberais" não passam necessariamente por privatizar privatizar privatizar, mas por minimizar danos. Um domínio do conhecimento muito interessante é a Teoria da Escolha Pública.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:07:50 PM AA said...3. Que as desigualdades sociais "provoquem" crime é teoria que confunde causa e circunstância. O que provoca o crime é o sentimento que se ganha mais atropelando os direitos dos outros, do que agindo honestamente.O crime combate-se punindo os criminosos, não toda a sociedade.Pode-se dizer sim que as classes mais "desfavorecidas" não vêm os seus direitos de propriedade suficientemente protegidos (pelas forças de segurança) e a sua liberdade económica assegurada (os mecanismos de mobilidade social são os primeiros a serem atacados pelo status quo).Quanto aos níveis mínimos de subsistência, é um critério altamente abstracto. Eu diria que o Estado pode assegurar níveis mínimos de sobrevivência, o que garantiria que toda a gente estaria capaz de trabalhar. "Garantir" níveis "dignos" de vida, que é o que o "nosso" sistema almeja, é um absurdo económico, atropela ostensivamente direitos de outras pessoas, e mesmo que não o fizess, não é função do Estado.Quanto às desigualdades, são consequência de um sistema em que as pessoas são livres de procurarem ser melhores que o próximo por formas honestas. O combate às desigualdades faz-se combatendo práticas desonestas, ou seja, as que recorrem a violência ou fraude, e deixando que as pessoas façam pela sua vida.De resto, é cientificamente desonesto comparar "desigualdades" sem atender ao nível de vida que os povos disfrutam. E historicamente também. Os povos estatisticamente mais "iguais" tendem a ser os mais miseráveis. Um post clássico aqui.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:09:10 PM AA said...4. casas abandonadas em Lisboa [...] Este abandono diz-nos respeito porque nos afecta a todosEste é um problema clássico da economia. A causa chama-se Lei das Rendas, ou rent-control, e também disposições urbanísticas demasiado restritivas. [o link resume o mecanismo económico, recomendo-o vivamente].A "solução liberal" é liberalizar o mercado de arrendamento e de reconstrução urbana.A não-solução não-liberal foi rigidificá-lo, por motivos populistas, tornando-o tão desinteressante ao ponto das pessoas preferirem abandonar as casas a mantê-las em condições, e termos cidades a cair.Tudo porque os proprietátios não podem estabelecer com os inquilinos preços para arrendamento da sua propriedade.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:18:31 PM


fonsecarui said...Caro António AmaralEu não penso que as democracias europeias sejam democracias limitadas pelo facto de nelas não campearem os populismos, ainda que alguns tentem. O que eu acho é que são democracias maduras, onde os populismos não encontram terreno fácil para medrarem muito. Quanto à sua concessão relativamente aos aeroportos e quejandos fico satisfeito por termos já encontrado alguns pontos de encontro. Não porque eu seja um apaniguado do Estado, bem pelo contrário. Não consigo é ver como é que podemos prescindir dele. Mesmo com a ajuda da Teoria da Escolha Pública.Mas continuo completamente em desacordo consigo relativamente aos outros pontos:"O crime combate-se punindo os criminosos..."Combater é uma coisa, reduzir é outra. Você pode combater o crime sem o reduzir. Até com os fogos isso se verifica. Os meios crescentes de combate que vêm sendo utilizados não reduzem, por si só, a área ardida. Seria mais eficaz que se mobilizassem meios para a redução da acumulação de biomassa nas matas. Só que não permitiriam tanto negócio nem tanto espectáculo. Não concorda?Voltando, contudo, ao crime sobre as pessoas, você conhece "Freakonomics" e se esta minha citação lhe suscita um sorriso (e ainda bem), o insuspeito (para si,suponho) Robert Barro em "Nothing is Sacred", valida as conclusões de Levitt a propósito da correlação entre a lei do aborto e a redução dos crimes nos EUA, minimizando o impacto das acções policiais nos períodos analizados.Eu sei que Levitt está sendo contestado, que prepara uma resposta, mas, ao que parece, as contestações podem reduzir a dimensão das conclusões sem as porem em causa. Estou certo que as suas convicções liberais favorecem o aborto. Mas não é essa a questão que quero trazer à colação. O que lhe quero referir é que nem Levitt nem quem se tem debruçado sobre a criminalidade lhe poderá dizer outra coisa: o crime só pode eficazmente combater-se nas origens que são o seu móbil. E a miséria e desigualdade social são os grandes factores de crescimento do crime. Veja o caso do Brasil, por exemplo. Quanto às rendas e os prédios abandonados andamos quase todos enganados.Quando lhe referi o caso das casas abandonadas excluí expressamente as casas arrendadas. Aludi apenas às casas degradadas sem qualquer função económica a não ser a da expectância especulativa. Pode ver fotografias destes prédios em www.lisboa-abandonada.net, que, aliás, foi objecto de uma acção de vandalismo e ainda não está completamente recuperada. Alguém se sentiu incomodado. É dos sites mais antigos da blogosfera, sabia? Mas podia referir-lhe o caso dos terrenos rústicos abandonados, cujo abandono não se justifica apenas pela teoria marginalista. Se quiser, mais tarde, explico-lhe porquê.Mas voltando às casa e às rendas. Quando se diz que não há em Portugal um mercado de arrendamento, não se diz a verdade. Existe e é bastante dinâmico. Os senhorios são os bancos. Nem esta nem outra lei das rendas (e eu acho que a lei das rendas, mesmo a revista, continua a ser manifestamente injusta em muitos casos para os senhorios) vai resolver o problema dos prédios degradados por essa via.Mas o que me importa realçar-lhe é o facto de haver milhares de casas completamente abandonadas, degradadas e vazias. E, neste caso, não é a lei das rendas (esta ou qualquer outra)que pode resolver a questão.Desde logo porque existe um stock enorme de casas para venda em Portugal e a oferta supera largamente a procura. E as rendas não podem situar-se acima dos valores debitados actualmente pelos bancos.Então as casas estão abandonadas, vazias e degradadas por outros motivos, não lhe parece?A mim parece-me que sim.Se for o caso não acha que o Estado deveria intervir?Contei no meu blog (Notícias do Bloqueio/Fevereiro 2006), já há alguns tempos, uma história verídica de uma casa com alguma história que há cinquenta anos se encontrava abandonada mesmo no meio da minha aldeia. Ainda lá está. Mais degrada, claro. Acha que alguém tem o direito de manter durante dezenas de anos uns pardieiros mesmo no meio duma vila?Quinta-feira, Setembro 14, 2006 8:38:13 PM


AA said...Caro fonsecarui,As democracias europeias são democracias liberais, e portanto "limitadas" porque grande parte dos poderes do Estado foram limitados constitucionalmente. E na "linha da frente" dessas limitações estão os direitos do indivíduo.Pena é que na tradição francesa, se tenham lembrado de increver positivamente os direitos individuais nas leis fundamentais, sendo portanto passíveis de alteração, assim como direitos positivos que não podem ser obtidos a não se com o sacrifício de liberdades e garantias.O facto de não termos populismos danosos é uma consequência...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 12:55:41 PMAA said...De resto, nunca disse que podemos prescindir do Estado, a não ser em casos especiais.Acontece que esses casos mudam. Por exemplo, hoje em dia não nos faria impressão que um aeroporto fosse integralmente privado (propriedade e gestão, quero eu dizer), quando há anos tal seria impensável. Pode ser que daqui a uns anos seja impensável que tal sector económico estivesse em mãos estatais.Mas há outras infraestruturas que não fazem o mínimo sentido estarem nas mãos do Estado, mas ninguém contesta. Por exemplo, mercados abastecedores regionais, ou entrepostos logísticos. Um perfeito disparate...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 12:58:44 PMAA said...Quanto ao aborto, sou intimamente contra, mas tenho grande dificuldade em justificar porque deve ser proibido. Essa é outra discussão.Note-se que o seu exemplo é imperfeito. Uma liberalização provoca redução do crime. Como poderia provocar aumento (por exemplo liberalização da venda de drogas). Inversos também acontecem. Brutalizar gente pobre e mais dada ao crime também teria efeitos nas estatíticas... ou impor abortos coercivos quando a criança tem altas probabilidades de se tornar um criminoso...De novo, esses problemas são combatidos pela Justiça, e não por artifícios arbitrários eles próprios injustos.Sexta-feira, Setembro 15, 2006 1:04:09 PMAA said...Aludi apenas às casas degradadas sem qualquer função económica a não ser a da expectância especulativa.A "expectância especulativa" é um direito, assim como acumular dinheiro debaixo do colchão para dias piores...Se for o caso não acha que o Estado deveria intervir?Esbulhando?Acha que alguém tem o direito de manter durante dezenas de anos uns pardieiros mesmo no meio duma vila?Sim. As pessoas são não têm direito a manter propriedade que represente risco iminente ou mesmo prejuízo para terceiros.Não se trocam condições de convivência pacífica por regimes onde as pessoas podem ser expropriadas se não tiverem poder político ou económico para o impedir...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 1:09:57 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Concordo que muitas actividades, de natureza empresariável, hoje realizadas pelo Estado poderiam e deveriam ser privatizadas.As nossas discordâncias não andarão por aí. Quanto muito a sua perspectiva é mais minimalista da intervenção do Estado do que a minha.Discordo, contudo, em absoluto consigo quando nega à sociedade (através dos orgãos legitimamente eleitos) a possibilidade de intervir relativamente à contestação de direitos individuais quando eles ferem os direitos de todos.Se bem percebi, você aceita que um prédio seja expropriado se e só se ele estiver em risco de desmoronamento e desse desmoronamento poderem resultar acidentes pessoais. Mas não aceita que a expropriação seja feita se a chaga que esse prédio representa for manifesta causa de perdas para a comunidade, nomeadamente, na área turistíca, por exemplo. Considere, para melhor entender a minha questão, a situação de abandono e degradação de alguns prédios no centro da Vila de Sintra. Quanto à questão que originariamente provocou esta nossa troca de argumentos, percebo que a sua posição não arreda do princípio liberal de deixar à sua sorte aqueles que, por um motivo ou por outro, nasceram com muito pouca ou nenhuma.Deve conhecer alguns casos, suponho.Domingo, Setembro 17, 2006 10:23:57 PM

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