Monday, October 31, 2005

O CASO DA INDIFERENÇA GENERALIZADA

“...os esgotos correm em campo aberto perante a indiferença generalizada, com excepção dos mosquitos e moscas. Depois, terrenos que estando nos planos como sendo do domínio agrícola, povoam-se de barracões e casas de habitação e veraneio, construídas ao modelo maison, térreas e com colunas e pórticos, felizmente menos horríveis que o mesmo tipo de casas de emigrante de há uns anos. Ao lado caem aos bocados casas, adegas, lagares, currais, que seriam na América antiguidades protegidas com as suas cantarias de pedra, as suas portas de arco... Mas não estamos na América, somos um povo mais velho, logo podemos estragar à vontade...” .José Pacheco Pereira, Público, 28 Abril 2005.

Somos um povo mais velho mas não decorre da nossa velhice a indiferença generalizada. Se assim fosse não teríamos remissão. E temos, se quisermos.

Na Suíça, como é sabido, tudo está no seu lugar, graças aos suíços. Os suíços não são um povo novo. Qual a razão, então, porque a Suíça é um modelo de limpeza e organização e Portugal um exemplo do contrário?

A diferença, parece claro, está em que na Suíça há suíços (e não só, vinte por cento são emigrantes, entre os quais muitos portugueses) e em Portugal portugueses.

E, no entanto, não é tão claro quanto parece.

Vejamos um caso conhecido: Alguém, mas certamente com a aprovação da Câmara Municipal de Lisboa de então, decidiu construir um “driving range” de golfe sobre os depósitos da EPAL, nas Amoreiras. Foi necessário montar umas estruturas enormes para evitar que as bolas atingissem as ruas circundantes. Levantou-se o povo protestando (o tal, tão frequentemente vilipendiado) e o “driving range” parou e as estruturas encolheram mas não desapareceram.

Até quando?

Até que caiam de podres corroídas pela ferrugem? Que mais pode o povo fazer?

Se uma Câmara ou qualquer outra entidade por ela tutelada constrói uma ETAR que não arranca e os esgotos continuam a correr em campo aberto, que podem os vizinhos fazer? Protestar, claro, se lhes cheirar mal.

Que pode fazer JPP? Que posso fazer eu?Protestar. E depois?

Se o Município se mantiver mudo e quedo como um penedo?

Se perguntarmos, até quando? E não responderem.

Se perguntarmos, quanto custa? E não responderem.

Se perguntarmos, quem paga? E não responderem.

Se perguntarmos, quem é responsável? E não responderem?

Que fazer?

Estou a escrever estas interrogações em Reston, a seis milhas da Casa Branca, na América que JPP refere.Esta casa em que me encontro tem cerca de 30 anos e a estrutura é de madeira, como é muito habitual nos Estados Unidos. Está pintada de verde, um verde seco, a da vizinha à esquerda é “bordeaux”, outras são brancas, outras camurça, outras verde azeitona de Elvas. Pergunto aos proprietários o que sucederia se a pintassem de outra cor. Por exemplo, “bordeaux” como a vizinha da esquerda. Resposta sem hesitações: a administração do “cluster” intimar-nos-ia a repor a cor inicial, e se o não fizéssemos, ao fim de algum tempo e de algumas insistências, a administração tomava conta da casa, repunha a cor e vendia a casa a outros. Por essa razão a casa é verde seco há 30 anos ainda que o dono da casa gostasse de a pintar de amarelo.

Alguns acharão que tanta rigidez é uma violência, uma prepotência até. Talvez seja tudo isso mas quem comprou a casa comprou-a verde seco e com um regulamento atrás. Regulamento que, obviamente, é cumprido á risca.

É nisto que está a diferença.

A diferença entre Portugal, a Suíça e os Estados Unidos está no regulamentozinho que é para ser cumprido.

Já se disse que na Suíça vivem 20% emigrantes e os Estados Unidos são um “melting pot”. Aqui nas redondezas vejo pessoas de todas as cores, entre os quais vários portugueses. E todos cumprem.Afinal, o problema é do povo?Não é nada.

Há que chamar as coisas pelos nomes: os regulamentos não se cumprem porque não se fazem cumprir. Se a Câmara não me responde, se a Câmara se propagandeia em cartazes que custam rios de dinheiro mas não presta contas nem aos contribuintes nem aos munícipes, queixo-me á Justiça. E depois?Depois, nada.

Muita gente clama que a Justiça em Portugal não funciona e essa é, seguramente, uma das principais causas, se não a principal, do nosso atraso.A lei não é respeitada quanto devia, os regulamentos não se cumprem, os contratos não se honram.

A culpa de quem é? Não é do povo.

É das elites?É.

No caso da Justiça, a culpa é sobretudo dos juizes porque continuam a arrastar a carga quando há muito tempo que foi inventada a roda, generalizadamente indiferentes às críticas que chovem de todos os lados.Porque é que a justiça não é paga segundo o princípio do utilizador pagador nos casos em que os Tribunais julgam casos em que as Empresas (cobrança coerciva de créditos) entregam à justiça a resolução dos casos bicudos assumidos na gestão dos seus negócios? Dito de outro modo, porque é que a Vodafone ou a TMN ou a Optimus, p.e., não pagam a preço de custo, pelo menos, a resolução do contencioso das dívidas que decorrem da sua pressão para aumentar o número de clientes e de chamadas via telemóvel? Porque é que os contribuintes, que podem ser ou não também clientes daquelas empresas, com os seus impostos e contas em dia têm que suportar, via orçamento de Estado os custos das cobranças que deviam ser da inteira responsabilidade das mesmas empresas?

Porque é que o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados sabe contar até um milhão o número de processos que se acumularam em 2003 (e em 2004? E, até agora, em 2005, não se sabe?) mas não sabe (sabe mas não quer propor) medidas que resolvam o problema sem agravar as já complicadas contas do Estado?

A última vez que demos conta das preocupações dos agentes da Justiça foi a propósito dos seus irrenegociáveis dois meses de férias.

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